segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Os votos



“Pois desejo primeiro que você ame e que amando, seja também amado.

E que se não o for, seja breve em esquecer e esquecendo não guarde mágoa.

Desejo depois que não seja só, mas que se for, saiba ser sem desesperar.

Desejo também que tenha amigos e que mesmo maus e inconseqüentes sejam corajosos e fiéis.

E que em pelo menos um deles você possa confiar e que confiando não duvide de sua confiança.

E porque a vida é assim, desejo ainda que você tenha inimigos, nem muitos nem poucos, mas na medida exata para que algumas vezes você questione a respeito de suas próprias certezas.

E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo para que você não se sinta demasiadamente seguro.

Desejo depois que você seja útil, não insubstituívelmente útil mas razoavelmente útil.

E que nos maus momentos, quando não restar mais nada, essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.

Desejo ainda que você seja tolerante, não com que os que erram pouco, porque isso é fácil, mas com aqueles que erram muito e irremediavelmente.

E que essa tolerância nem se transforme em aplauso nem em permissividade, para que assim fazendo um bom uso dela, você dê também um exemplo para os outros.

Desejo que você sendo jovem não amadureça depressa demais,
e que sendo maduro não insista em rejuvenescer,
e que sendo velho não se dedique a desesperar.

Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e é preciso deixar que eles escorram dentro de nós.

Desejo por sinal que você seja triste, não o ano todo, nem um mês e muito menos uma semana,
mas um dia.

Mas que nesse dia de tristeza, você descubra que o riso diário é bom, o riso habitual é insosso e o riso constante é insano.

Desejo que você descubra com o máximo de urgência, acima e a despeito de tudo, talvez agora mesmo, mas se for impossível amanhã de manhã, que existem oprimidos, injustiçados e infelizes.

E que estão estão à sua volta, porque seu pai aceitou conviver com eles.

E que eles continuarão à volta de seus filhos, se você achar a convivência inevitável.

Desejo ainda que você afague um gato, que alimente um cão e ouça pelo menos um João-de-barro erguer triunfante seu canto matinal.

Porque assim você se sentirá bem por nada.

Desejo também que você plante uma semente por mais ridículo que seja e acompanhe seu crescimento dia a dia, para que você saiba de quantas muitas vidas é feita uma árvore.

Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro porque é preciso ser prático. E que pelo menos uma vez por ano você ponha uma porção dele na sua frente e diga: Isto é meu.

Só para que fique claro quem é o dono de quem.

Desejo ainda que você seja frugal, não inteiramente frugal, não obcecadamente frugal, mas apenas usualmente frugal.

Mas que essa frugalidade não impeça você de abusar quando o abuso se impor*.

Desejo também que nenhum de seus afetos morra, por ele e por você. Mas que se morrer, você possa chorar sem se culpar e sofrer sem se lamentar.

Desejo por fim que,
sendo mulher, você tenha um bom homem
e que sendo homem tenha uma boa mulher.

E que se amem hoje, amanhã, depois, no dia seguinte, mais uma vez e novamente de agora até o próximo ano acabar.

E que quando estiverem exaustos e sorridentes, ainda tenham amor pra recomeçar.

E se isso só acontecer, não tenho mais nada para desejar”

Autor: Sérgio Jockymann

Fonte: Folha da Tarde – Porto Alegre – 30 de Dezembro de 1978(extraído do jornal escaneado presente no Blog de Emílio Pacheco)

* o correto de “se impor” seria “se impuser” (correção proposta pelo Sr. Anibal Albuquerque)

Observação: Toda pontuação e formatação do texto foram mantidas de acordo com o original.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Apegado a nada

O amor é a única libertação do apego. Quando você ama tudo, não está preso a nada.
... O homem aprisionado pelo amor de uma mulher e a mulher aprisionada pelo amor de um homem estão ambos sem condições de receber a preciosa premiação da liberdade. Mas o homem e a mulher que, graças ao amor, tornaram-se uma só pessoa, inseparáveis, indistinguíveis, estão bastante qualificados para receber o prêmio.

de O Livro de Mirdad, de Mikhail Naimy
O Livro de Mirdad é o livro que eu mais estimo. Mirdad é um personagem fictício, mas cada declaração e ato de Mirdad é imensamente importante. Ele não deve ser lido como um romance, mas como uma escritura sagrada, talvez a única escritura sagrada.

E você pode perceber na afirmação acima um vislumbre do discernimento, da consciência, da compreensão de Mirdad. Ele está dizendo: O amor é a única libertação do apego... e você sempre ouviu que o amor é o único apego!

Concordo com Mirdad:
O amor é a única libertação do apego. Quando você ama tudo, não está preso a nada.
Na verdade, o fenômeno do apego precisa ser entendido. Por que você se agarra a algo? Porque tem medo de perdê-lo. Talvez alguém possa roubá-lo. Seu medo é que não possa ter amanhã o que você tem hoje.

Quem sabe o que vai acontecer amanhã? A mulher ou o homem que você ama... Qualquer movimento é possível: vocês podem se aproximar ou podem se distanciar. Vocês podem novamente se tornar estranhos ou podem ficar tão unidos que não seria correto dizer nem mesmo que vocês são duas pessoas diferentes; é claro, existem dois corpos, mas o coração é um só, a canção do coração é uma só e o êxtase os envolve como uma nuvem.

Vocês desaparecem nesse êxtase: você não é você, eu não sou eu. O amor passa a ser tão total, tão grande e irresistível que você não pode permanecer você mesmo; você precisa submergir e desaparecer.

Nesse desaparecimento, quem se prenderá, e a quem? Tudo é. Quando o amor desabrocha em sua totalidade, tudo simplesmente é. O receio do amanhã não surge, daí não surgir a questão do apego, do vínculo, do casamento, de qualquer tipo de contrato e cativeiro.

Osho, em "Amor, Liberdade e Solitude: Uma Nova Visão Sobre os Relacionamentos"
Imagem por YoungLadAustin

Palavras de Osho - Site

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Existencialismo



“A razão pela qual eu me recuso a encarar o existencialismo como uma outra moda francesa ou curiosidade histórica é que eu penso que ele tem algo muito importante a nos oferecer, para o novo século. Temo que estamos perdendo as verdadeiras virtudes de viver a vida apaixonadamente no sentido de termos responsabilidade por quem somos, a habilidade de fazer algo de si mesmo e se sentir bem em relação a vida. Existencialismo geralmente é discutido como uma filosofia do desespero, mas eu penso que a verdade é realmente o oposto disso. Sartre, uma vez entrevistado disse que ele nunca sentiu um dia de desespero na vida dele. Uma coisa que aparece de ler esses caras não é tanto um senso de angústia sobre vida, mas um tipo verdadeiro de exuberância de se sentir no topo dela, é como se a vida fosse sua para criá-la. Eu li os pós-modernistas com algum interesse, até admiração, mas quando eu os lia eu sempre tinha esse sentimento irritante horroroso que algo absolutamente essencial estava sendo deixado de lado. Quanto mais você fala sobre uma pessoa como uma construção social ou como uma confluência de forças ou como sendo fragmentada ou marginalizada, o que você faz é abrir um novo mundo inteiro de desculpas. E quando Sartre fala de responsabilidade, ele não está falando de algo abstrato. Ele não está falando sobre o tipo de “eu” ou “almas” que os teólogos falam. Ele está falando de você e eu, conversando, fazendo decisões, fazendo coisas, e recebendo as conseqüências. Pode ser verdade que existem seis bilhões de pessoas nesse mundo, e aumentando, entretanto – o que você faz, faz a diferença. Faz a diferença, primeiramente, em termos materiais, para outras pessoas e dispõe um exemplo. Resumindo, eu penso que a mensagem aqui é que nós nunca deveríamos nos subestimar ou nos vermos como vítimas de várias forças. A decisão por sermos quem somos é sempre nossa.“

Waking Life
Movie by Richard Linklater

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Os patrões devem servir



Por enquanto, a mente o corpo da humanidade são os patrões da consciência, dão as ordens e a consciência obedece fantasiando que é livre para escolher. Pois sim! Se você não acorda na hora necessária, se você come exageradamente ou ingere alimentos reconhecidamente ruins, se você não consegue suprir a necessidade prioritária porque a preguiça não deixa, se você não consegue sustentar um raciocínio determinado por um bom tempo na tentativa de solucionar um problema, pois logo a mente se dispersa, por esses e tantos outros motivos você precisa reconhecer que sua consciência não manda nada, por enquanto. Em algum momento você terá de aceitar a disciplina em nome de fazer de seu corpo e de sua mente as ferramentas que servirão para moldar o caminho, aí sim mediante o livre arbítrio de sua consciência.

Quiroga

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Remédio contra a Indolência


A indolência é a inimiga de todo ser humano minimamente interessado em conquistar progresso e bem-estar. A indolência se alimenta de argumentos sofisticados para legitimar-se, mas na prática é a mesma de sempre. Ela nutre a disparatada idéia de que as coisas deviam acontecer e, por isso, os humanos fazem o mínimo possível e esperam o máximo. Assim passa o tempo e a fantasia da mente vai esmagando a alma, ressentida porque a Vida não lhe dá o que deseja. O remédio é lutar, em primeiro lugar porque a indolência é uma inimiga mortal e em segundo lugar porque lutar não é se armar até os dentes, mas agir sempre respondendo à necessidade. Resolver o que a necessidade determina a cada instante existencial é o remédio contra a indolência.






Quiroga

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Tudo se transforma em luz





De certa forma, a luz é filha das trevas; é de lá de dentro que explodem as claridades mais sublimes. É do chão que nascem as árvores e as flores dão a sua presença como ósculo de Deus, para as criaturas. Os dejetos nos esgotos correm para os rios, e lá adiante tornam-se em adubos na química da natureza, o que faz florescer os mais substanciosos frutos, pela irrigação das águas.
Nada se perde em lugar algum da criação de Deus. Cada coisa tem seus objetivos e seus valores.

Lancellin
Viagem Astral - Iniciação

sábado, 14 de janeiro de 2012

Aquietai-vos


Está escrito nos Salmos: “Aquietai-vos e sabei que sou Deus”. “Aquietar-se” significa ficar tranquilo e concentrado. O termo budista é samatha (parando, acalmando-se, concentrando-se). “Saber” significa adquirir sabedoria, insight ou entendimento. O termo budista é vipasyana (insight, ou examinando em profundidade).

“Examinar em profundidade” significa observar algo ou alguém com tanta concentração que a distinção entre observador e observado desaparece. O resultado é o insight da verdadeira natureza do objeto. Quando examinamos o coração de uma flor, vemos nele as nuvens, a luz do sol, os minerais, o tempo, a terra e todas as outras coisas que existem no universo. Sem as nuvens não poderia haver chuva, e não existiria nenhuma flor. Sem o tempo a flor não poderia desabrochar.

Com efeito, a flor é totalmente formada por elementos que lhe são extrínsecos; ela não possui uma existência independente e individual. Ela “interexiste” com todas as outras coisas no universo. Interexistência é um novo termo, mas estou certo de que em breve ele estará nos dicionários por se tratar de uma palavra extremamente importante. Quando percebemos a natureza da interexistência, as barreiras entre nós e os outros se dissolvem, e a paz, o amor e o entendimento tornam-se possíveis. Onde quer que exista o entendimento, nasce a compaixão.

Assim como a flor é formada por elementos que lhe são extrínsecos, o budismo é composto apenas por elementos não-budistas, inclusive cristãos, e o cristianismo é formado por elementos não-cristãos, inclusive budistas. Temos diferentes raízes, tradições e maneiras de perceber as coisas, mas compartilhamos as qualidades comuns do amor, do entendimento e da aceitação.

Para que nosso diálogo seja aberto, precisamos abrir nossos corações, pôr de lado nossos preconceitos, ouvir profundamente e representar verdadeiramente o que sabemos e compreendemos. Para fazer isso, precisamos de certa quantidade de fé. No budismo, ter fé significa ter confiança na nossa habilidade e na habilidade dos outros de despertar para a mais profunda capacidade de amor e entendimento. No cristianismo, ter fé significa confiar em Deus, Aquele que representa amor, compreensão, dignidade e verdade.

Quando estamos em quietude, olhando profundamente e entrando em contato com a fonte da nossa verdadeira sabedoria, entramos em contato com o Buda vivo e o Cristo vivo que existe dentro de nós e em cada pessoa que encontramos.

“Vivendo Buda, Vivendo Cristo”, cap. 1

Thich Nhat Hanh (Vietnã, 1926 ~):

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Amistosidade





Primeiro dedique-se à meditação, atinja a bem-aventurança, e então muito amor se manifestará de maneira espontânea.

Nessa condição, é belo estar com os outros e belo também é estar sozinho. É simples também. Você não depende dos outros e também não torna os outros dependentes de você. O que existe é sempre amizade, amistosidade.

A coisa nunca se transforma numa relação; continua sendo uma afinidade. Você convive, mas não cria um casamento. O casamento nasce do medo, a afinidade nasce do amor.

Você estabelece um relacionamento; enquanto as coisas andarem bem, você compartilha. Se você percebe que é chegado o momento de partir porque os caminhos se separam numa encruzilhada, você diz adeus com uma enorme gratidão por tudo que o outro foi para você, por todas as alegrias, todos os prazeres, e por todos os belos momentos compartilhados juntos.

Sem nenhum sofrimento, sem nenhuma dor, você simplesmente se afasta.


Osho, em "The White Lotus" e em "O Tarô Zen de Osho - O Jogo Transcendental do Zen"

"O amor fere" e outros mal-entendidos




O amor nunca fere ninguém. E, se você está se sentindo ferido pelo amor, é sinal de que existe outra coisa em você, que não é o amor, que está provocando essa dor. A menos que veja isso, você vai continuar se movendo em círculos.

O que você chama de amor pode ocultar muitas coisas nada amorosas em você; a mente humana é muito astuta, muito sagaz, quando se trata de enganar os outros e também a si mesma.

A mente coloca rótulos bonitos em coisas feias, tenta cobrir as feridas com flores. Essa é uma das primeiras coisas que você tem que investigar, se quer entender o que é o amor.

O "amor", no sentido que as pessoas costumam usar essa palavra, não é amor; é luxúria. E a luxúria sempre acaba ferindo, porque desejar alguém como um objeto é o mesmo que ofender essa pessoa. É um insulto, é uma violência.

Quando você se aproxima de alguém com luxúria, quanto tempo consegue fingir que isso é amor? Algo que é superficial vai parecer amor, mas basta arranhar um pouquinho a superfície para encontrar pura luxúria.

A luxúria é animalesca. Olhar para alguém com luxúria é um insulto, é humilhante, é reduzir a outra pessoa a uma coisa, a uma mercadoria. Nenhuma pessoa gosta de ser usada; essa é a pior coisa que você pode fazer com alguém. Ninguém é uma mercadoria, ninguém é um meio pelo qual se conseguir alguma coisa.

Essa é a diferença entre luxúria e amor. A luxúria usa a outra pessoa para você satisfazer alguns dos seus desejos. O outro é apenas usado e, quando ele deixa de ter utilidade, é descartado. Ele se torna inútil; a sua função foi preenchida. Esse é o ato mais imoral da existência: usar o outro para se conseguir alguma coisa.

O amor é justamente o oposto: respeitar o outro como um fim em si mesmo. Quando você ama alguém como um fim em si mesmo, não existe essa sensação de dor; você se enriquece por meio desse sentimento. O amor torna todo mundo rico.

Em segundo lugar, o amor só pode ser verdadeiro se não houver um ego por atrás dele; do contrário, o amor se torna uma viagem do ego. Trata-se de um jeito sutil de dominar.

E a pessoa precisa estar muito consciente, porque esse desejo de dominar está enraizado lá no fundo. Ele nunca aparece como é; vem sempre enfeitado, bem ornamentado.

Os pais nunca dizem que os filhos pertencem a eles, nunca dizem que querem dominar os filhos, mas isso é na verdade o que eles fazem. Dizem que querem ajudar, dizem que querem que eles sejam inteligentes, saudáveis, felizes, mas – e esse "mas" é um grande "mas" – tudo isso de acordo com a ideia que fazem do que seja inteligente, saudável e feliz.

Até a felicidade dos filhos tem que ser decidida de acordo com a ideia dos pais; os filhos têm que ser felizes de acordo com a expectativa dos pais.

Os filhos têm que ser inteligentes, mas ao mesmo tempo obedientes. Isso é pedir o impossível! A pessoa inteligente não pode ser obediente; a pessoa obediente tem que abrir mão de parte da sua inteligência.

A inteligência só pode dizer "sim" quando está plenamente de acordo com você. Não pode dizer "sim" só porque você é maior, mais poderoso e cheio de autoridade – um pai, uma mãe, um padre, um político.

Eu não posso dizer "sim" só por causa da autoridade que você tem. A inteligência é rebelde, e nenhum pai quer que o filho seja rebelde. A rebelião vai de encontro ao seu desejo secreto de dominação.

Os maridos dizem que amam a esposa, mas isso não passa de dominação. Eles são tão ciumentos, tão possessivos! Como podem ser amorosos? As mulheres vivem dizendo que amam o marido, mas passam 24 horas por dia fazendo da vida dele um inferno; de todas as maneiras possíveis, elas estão reduzindo o marido a uma coisa feia.

O marido dominado é um fenômeno muito feio. E o problema é que, primeiro, a esposa reduz o marido a um escravo e depois perde o interesse por ele; afinal, por que ela continuaria interessada por um homem dominado? Ele não parece alguém digno; não parece um homem de verdade.

Primeiro o marido tenta fazer da mulher apenas um objeto que lhe pertence e, depois que ela lhe pertence, ele perde o interesse. Existe uma lógica oculta nisso: o único interesse dele era possuí-la; agora já a possui e ele gostaria de tentar fazer o mesmo com outra mulher, para que possa continuar indefinidamente com esse jogo de possessão.

Cuidado com essas elucubrações do ego. Depois você se machuca, pois a pessoa que você está tentando possuir fatalmente se revoltará de um jeito ou de outro, acabará sabotando os seus truques, as suas estratégias, porque não existe nada que as pessoas amem mais que a liberdade.

Até mesmo o amor vem depois da liberdade; a liberdade é o mais elevado bem. O amor pode ser sacrificado pela liberdade, mas a liberdade não pode ser sacrificada pelo amor. E isso é o que temos feito há séculos, sacrificar a liberdade pelo amor. Existe, portanto, um antagonismo, um conflito, e o casal aproveita qualquer oportunidade para ferir um ao outro.

O amor na sua forma mais pura é alegria compartilhada. Ele não pede nada em troca, não espera nada; então, como você pode achar que ele machuca? Se você não tem expectativas, como pode se machucar?

Porque tudo o que vier será bom e, se nada vier, será bom também. A sua alegria foi dar, não receber. Desse modo você pode até amar a uma distância de milhares de quilômetros, não precisará nem mesmo estar fisicamente presente.

Lembre-se, o medo e o amor nunca existem juntos; não podem. Não é possível a coexistência. O medo é justamente o oposto do amor.

As pessoas costumam achar que o ódio é o oposto do amor. Isso é um equívoco, um total equívoco. O medo é o oposto do amor. O ódio é o amor ao contrário. É o contrário, mas não é o oposto.

A pessoa que odeia simplesmente mostra que, de algum modo, ela ainda ama. O amor se tornou amargo, mas ainda existe. O medo é o verdadeiro oposto, pois ele significa que toda a energia do amor desapareceu.

O amor é se aproximar do outro sem medo, com uma enorme confiança de que será recebido - e ele sempre é. O medo se encolhe dentro de você, fecha o seu ser, fecha todas as portas, todas as janelas para que o sol, o vento, a chuva não possam atingi-lo, tamanho o seu pavor. Você está se enterrando vivo.

O medo é uma sepultura, o amor é um templo. No amor, a vida chega ao seu apogeu. No medo, a vida resvala para o nível da morte. O medo fede, o amor é perfumado. Por que você deveria ter receio?

Tenha receio do seu ego, tenha receio da sua luxúria, tenha receio da sua ganância, tenha receio da sua possessividade, tenha receio do seu ciúme - mas não há por que ter receio do amor. O amor é divino! É como a luz. Quando existe luz, não existe escuridão. Quando existe amor, não existe medo.

O amor pode fazer da sua vida uma grande celebração, mas só o amor pode fazer isso - não a luxúria, não o ego, não a possessividade, não o ciúme, não a dependência.


Osho, em "A Essência do Amor: Como Amar com Consciência e se Relacionar Sem Medo"

Atração e oposição



Existem alguns pontos fundamentais que é preciso entender. Primeiro, o homem e a mulher são, por um lado, a metade um do outro e, por outro lado, polaridades opostas. O fato de serem opostos os atrai. Quanto mais distantes estiverem, mais profunda será a atração; quanto maior a diferença entre eles, maior será o charme e a beleza e a atração.

Mas é aí que está todo o problema. Quando eles se aproximam, querem ficar mais próximos ainda, querem se fundir um no outro, querem se tornar um só ser, um todo harmonioso; porém, toda atração depende da oposição, e a harmonia dependerá da dissolução dessa oposição.

A menos que o caso de amor seja muito consciente, ele vai criar uma grande angústia, um grande problema.

Todos os amantes estão numa enrascada. Essa enrascada não é pessoal; ela reside na própria natureza das coisas. Eles não se sentiriam atraídos um pelo outro - isso é chamado de "cair de amores".

Não conseguem nem dar uma razão por que sentem esse impulso em direção ao outro. Eles não têm sequer consciência das causas subjacentes; por isso uma coisa estranha acontece: os amantes mais felizes são aqueles que nunca se encontram!

Depois que se encontram, a mesma oposição que criou a atração se torna um conflito. Em cada detalhe, as atitudes deles são diferentes, as suas abordagens são diferentes. Embora falem a mesma língua, não conseguem se entender.

Um dos meus amigos estava conversando comigo sobre sua esposa e do eterno conflito entre eles. Eu disse, "Parece que vocês não se entendem".

Ele disse, "Entendê-la? Eu mal consigo ficar perto dela!" E se casaram por amor, não foi um casamento arranjado. Os pais deles eram contra; pertenciam a religiões diferentes, as sociedades em que viviam eram contra o casamento com pessoas de outras religiões.

Mas eles brigaram contra todos e se casaram, só para descobrir que a vida deles seria uma briga constante.

O modo como a mente masculina olha o mundo é diferente do da mente feminina. Por exemplo, a mente masculina está interessada em coisas longínquas: no futuro da humanidade, nas estrelas distantes, se existe vida em outros planetas.

A mente feminina simplesmente acha graça dessas tolices. Ela só está interessada no pequeno círculo em torno dela - nos vizinhos, na família, em quem está enganando a mulher, em que mulher se apaixonou pelo chofer.

O seu interesse é local e humano. Ela não está interessada em reencarnação; nem está interessada em vida após a morte. O feminino se concentra no mais pragmático, no presente, no aqui e agora.

O homem nunca está no aqui e agora. Ele está sempre em outro lugar. Ele tem preocupações estranhas: reencarnação, vida após a morte, vida em outros planetas.

Se os dois parceiros estivessem conscientes de que se trata de um encontro entre opostos, de que não existe necessidade de conflito, então há uma grande oportunidade de entender o ponto de vista diametralmente oposto e absorvê-lo.

A partir de então a vida em comum de um homem e uma mulher pode se tornar uma bela harmonia.

Do contrário, ela será uma luta contínua. Existem tréguas. A pessoa não pode viver brigando 24 horas por dia; ela precisa descansar um pouquinho, pelo menos para se preparar para a briga seguinte.

Mas um dos mais estranhos fenômenos é que, embora tenham convivido durante milhares de anos, homens e mulheres continuam sendo estranhos. Eles continuam gerando filhos, mas continuam sendo estranhos.

A perspectiva feminina e a masculina são tão contrárias uma a outra que, a menos que se faça um esforço consciente, a menos que se faça disso uma meditação, não existe esperança de que tenham uma vida pacífica.

Um dos meus maiores interesses é saber como casar a tal ponto a meditação com o ato de fazer amor que todo caso de amor se torna automaticamente uma parceria na meditação, e toda meditação torne você tão consciente que não precise mais cair de amores, mas possa se elevar no amor.

Você pode encontrar um amigo conscientemente, deliberadamente. O seu amor se aprofundará à medida que a sua meditação se aprofunda, e vice-versa; quando a meditação desabrochar, o seu amor também desabrochará. Mas num nível totalmente diferente.

Mas a maioria dos casais não está conectada na meditação. Eles nunca se sentam em silêncio durante uma hora, juntos, para sentir a consciência um do outro. Ou eles estão brigando ou fazendo amor, mas nos dois casos estão relacionados com o corpo, a parte física; a biologia, os hormônios.

Eles não estão relacionados com o âmago mais profundo um do outro. As suas almas permanecem separadas.

Nos templos, nas igrejas, nos tribunais, só os seus corpos são casados. As suas almas estão a quilômetros de distância uma da outra. Embora você esteja fazendo amor com a sua parceira, nem nesses momentos você está presente, ou ela está presente.

Talvez o homem esteja pensando na Cleópatra, em alguma atriz de cinema. E talvez seja por isso que todas as mulheres ficam com os olhos fechados: para não ver o rosto do marido, nem ser incomodada. Ela está pensando em Alexandre, o Grande; em Ivan, o Terrível; e se olhar para o marido acaba a fantasia. Ele se parece com um rato.

Até nos momentos mais belos, que deveriam ser sagrados, meditativos, de profundo silêncio - nem nesses momentos você está sozinha com o ser amado. Existe uma multidão ali. A sua mente está pensando em outra coisa, a mente do parceiro está pensando em outra pessoa.

Então o que você faz é apenas robótico, mecânico. Alguma força biológica está escravizando você, e você chama isso de amor.

Ouvi dizer que, de manhã bem cedo, um bêbado viu um homem na praia fazendo flexões de braço. O bêbado se aproximou dele, olhou mais de perto aqui e ali, e finalmente disse: "Não quero interferir numa relação tão íntima, mas eu tenho que te falar que sua namorada já foi!"

Esse parece ser o caso. Quando está fazendo amor, será que a mulher está realmente presente? Será que o homem está mesmo ali? Ou será que vocês estão apenas fazendo um ritual, algo que tem que ser feito, um dever a ser cumprido?

Se você quer um relacionamento mais harmonioso com o parceiro, terá que aprender a ser mais meditativo. Só o amor não basta. O amor sozinho é cego; a meditação lhe dá visão. A meditação lhe dá entendimento.

E depois que o amor for tanto amor quanto meditação, vocês se tornam companheiros de viagem. O relacionamento deixa de ser comum. Torna-se um companheirismo na jornada de descoberta dos mistérios da vida.

Homens solitários, mulheres solitárias acharão essa jornada muito entediante e muito longa, como já descobriram no passado. Como viram esse conflito eterno, todas as religiões decidiram que as pessoas que queriam empreender a busca religiosa deveriam renunciar ao outro - os monges deveriam praticar o celibato, as freiras deveriam praticar o celibato.

Mas em cinco mil anos de história, quantos monges e quantas freiras se tornaram almas realizadas? Pode-se contar nos dedos. E deve haver milhões de monges e freiras de todas as religiões: budistas, hindus, cristãos, muçulmanos. O que houve?

O caminho não é tão longo, o objetivo não está tão distante. Mas, mesmo que você queira ir à casa do seu vizinho, precisará das duas pernas. Se for pulando em uma perna só, que distância poderá percorrer?

Homens e mulheres juntos, numa profunda amizade, num relacionamento amoroso e meditativo, como um todo orgânico, podem atingir o objetivo a qualquer momento que quiserem.

Porque o objetivo não está fora de você; ele é o centro do ciclone, é a parte mais íntima do seu ser. Mas você só pode encontrá-lo quando está inteiro, e você não ficará inteiro sem o outro.

O homem e a mulher são duas partes do mesmo todo. Portanto, em vez de perder tempo brigando, tentem se entender. Tentem se colocar um no lugar do outro; tente ver com os olhos do homem, tente ver com os olhos da mulher.

E quatro olhos são melhores do que dois. Você tem visão total; todas as quatro direções são acessíveis para vocês.

Mas uma coisa você precisa lembrar: faça isso sem meditação e o amor está fadado ao fracasso; não existe possibilidade de ele ter sucesso. Você pode fingir e pode enganar os outros, mas não pode enganar a si mesmo. Você sabe lá no fundo que nenhuma promessa que o amor lhe fez foi cumprida.

Só com meditação o amor começa a assumir novas cores, uma nova música, novas canções, novas danças, porque a meditação lhe dá condições de compreender o oposto polar, e basta essa compreensão para o conflito desaparecer.


Osho, em "A Essência do Amor: Como Amar Com Consciência e se Relacionar Sem Medo"