segunda-feira, 22 de abril de 2024

“A Bíblia não fala de Deus”



Mauro Biglino foi tradutor de hebraico antigo durante anos no Vaticano. Trabalhou para um das mais importantes editoras católicas do mundo, Edizioni San Paolo, e afirma que a biblia não fala sobre Deus, em entrevista dada ao jornal português "Observador"


Em entrevista ao jornal português, "Observador", Mauro Biglino afirma que nos escritos originais da Bíblia, não há menção a Deus. Biglino era o responsável do Vaticano pelas traduções dos escritos originais da Bíblia em hebraico.

Ele publicou “A Bíblia não é um livro sagrado” (Livros Horizonte) trinta anos depois de ter começado seu trabalho como tradutor e afirma “A Bíblia não é aquilo que habitualmente se diz. Conta uma outra história, não se ocupa de Deus”.

Nascido em Turim, Itália, aprendeu hebraico na comunidade hebraica da cidade. Foi convidado pela editora do Vaticano devido ao rigor de seus trabalhos de tradução e como ele mesmo diz “Além disso, perceberam que eu também conhecia latim e grego, línguas essenciais para entender o contexto dos textos bíblicos”.

O tradutor ainda afirma que “não há qualquer referência a Deus nos textos da Bíblia. Há, sim, a um coletivo, chamado Elohim, e a um deles em particular, chamado Yaveh“ e esclarece “as traduções foram sendo adulteradas e foram convertendo Yaveh num Deus único e todo poderoso”. Também diz “Em hebraico nem sequer há nenhuma palavra que signifique Deus”.

Mauro Biglino detalha em seu livro o percurso das traduções oficiais da Bíblia, verifica-se que foram adulteradas para “para inventar o monoteísmo”. Não à toa existem mudanças de sentido na versão do Vaticano dado o interesse em se colocar como instrumento de poder e intervir politicamente baseando-se em preceitos religiosos.

Mauro revelou traduções literais de vários textos bíblicos em seus livros que foram usados por historiadores para identificar imprecisões e argumenta que a Bíblia contém diversas imprecisões possíveis de serem demonstradas. “É por isso que os críticos discordam das minhas conclusões, mas não põem em causa o rigor das traduções”, ressalta.

“Em 2010, comecei a escrever um livro em que denunciava algumas das contradições que estava a encontrar nas minhas traduções dos textos bíblicos, e desde esse momento, a colaboração foi interrompida, acabaram o meu contrato de trabalho”, diz. Afirma compreender “perfeitamente” a decisão da editora tendo por ser “inviável” estar ao serviço da editora e obter conclusões tão distintas. No entanto, é importante manter o crivo crítico frente ao comportamento de censura presente na marginalização de um funcionário que discorda da linha adotada pela empresa.

“Não se sabe nada sobre Deus” e “como Deus me é absolutamente desconhecido, não posso acreditar nele”. Revela não ser o único a discordar das traduções oficiais da Bíblia, muito embora sejam “muitos que tenham a coragem de divulgar as suas conclusões”. E declara “Quando eu digo que a Bíblia não fala de Deus, não digo que Deus não existe, porque não o sei. Digo apenas que a Bíblia não fala de Deus”.

A exemplo de divergências vê-se “A profecia de Isaías, por exemplo, dizia que «a Virgem irá conceber e dará à luz um Filho», mas as bíblias alemãs, depois da aprovação da Conferência Episcopal, já não dizem isso. Já dizem que «a Jovem vai conceber», que é o que verdadeiramente lá está escrito”. Para ele, o seu trabalho poderá influenciar nas futuras traduções da Bíblia.

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Essa divergência se refere a uma tradução específica de uma passagem do livro de Isaías no Antigo Testamento da Bíblia. A passagem em questão é Isaías 7:14, que em muitas traduções antigas, incluindo algumas versões da Bíblia em português, é traduzida como "a virgem conceberá e dará à luz um filho".

No entanto, alguns estudiosos argumentam que a palavra hebraica original usada em Isaías 7:14, "almah", não necessariamente significa "virgem", mas pode ser traduzida mais genericamente como "jovem mulher" ou "moça". Como resultado, em algumas traduções mais recentes, essa passagem é traduzida para refletir essa interpretação mais precisa do texto hebraico.

A divergência na tradução reflete diferenças na interpretação dos textos originais e nas escolhas feitas pelos tradutores em relação ao significado das palavras e frases. Essas diferenças podem surgir de debates acadêmicos sobre questões linguísticas, históricas e teológicas. E, como mencionado na citação, o trabalho desses estudiosos pode influenciar as futuras traduções da Bíblia, à medida que novas informações e perspectivas são consideradas.

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