terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Tonantzin: a Deusa Mãe dos astecas


Por Shirley de Medeiros


No dia 6 de setembro, temos a oportunidade de honrar uma Deusa cuja origem tem solo americano: Tonantzin, a Deusa Mãe dos astecas. Reverenciada no México, ela possui forte influência na religiosidade da América Central e, dentro do sincretismo católico, é celebrada como a própria Virgem de Guadalupe. No Brasil, é a data comemorativa de Nossa Senhora dos Remédios.

O culto à Tonantzin nasceu em uma sociedade agrícola, onde o aspecto feminino estava ligado a terra e aos seus ciclos de fertilidade, colheita e morte, seguidos sempre pela renovação. Ela era a Guardiã da Terra, a Mãe de tudo existe, a quem os homens agradeciam pela vida, pela fertilidade e colheita. Na língua indígena Náuata, Tonantzin significa “nossa venerável mãe” ou “nossa mãezinha” (to – nossa; nāntli – mãe; tzīntli – diminutivo reverencial), um título usado para designar várias divindades femininas.



Em alguns panteões, uma divindade pode receber um nome que sintetize suas diversas formas de manifestações, por exemplo, o que ocorre com “Nossa Senhora”, no caso da Virgem Maria e seus demais aspectos. Além disso, pode também integrar ao seu culto referências de outras deusas e suas antecessoras, reunindo assim essas características.

Coatlicue


Das várias referências ligadas à Tonantzin na cultura asteca, talvez sua Face como Tonantzin Coatlicue seja uma das mais fortes e significativas. Coatlicue era Deusa Mãe do Céu, da Terra, das Estrelas do Sul e do Deus Solar, Senhora das Serpentes, do parto, da Vida, da Morte e do Fogo. Foi uma deidade primitiva que, com o seu marido Mixcoatl – o Deus da tempestade, perseguição e caça – formava o casal divino que criou o mundo e todos os seres vivos, sendo a Lua e as estrelas também seus filhos.

Ela integra os aspectos da Mãe criadora e destruidora, dos deuses e mortais. Sua imagem não representava uma Mãe amorosa ou plácida, mas a simbologia da Terra que tem tanto o poder de criar quanto o de destruir, o útero que dá a vida e, simultaneamente, o túmulo para onde retornamos. Aqui, a benevolência de Coatlicue manifesta-se por meio da fertilidade da terra, que gera e sustenta a vida, um atributo natural, afinal a natureza não seria boa nem ruim, apenas imponente.



Nesta sociedade, não se separava a Vida de sua outra metade, a Morte. A Morte não era vista como um castigo, mas uma etapa necessária para a renovação da terra, intrínseca aos movimentos da natureza, sendo criação e destruição partes de uma dança cósmica. Na cultura ocidental, essas polaridades se distanciaram e carregamos a ideia de que a Morte traz mais Morte, sem nos conectarmos ao princípio de que tudo se renova com o auxílio dela, pois a Morte incuba a Vida, renova, recicla. Por isso, principalmente para os espanhóis quando chegaram para colonizar a região, a Face de Coatlicue era considerada ameaçadora. Ela traz em si ainda o aspecto Anciã da Deusa Mãe, sendo chamada também de Toci, “nossa avó”.


No Museu Nacional de Antropologia da Cidade do México está exposta uma estátua de Coatlicue que possui aproximadamente nove metros de altura, foi construída entre 1300 e 1500 em Tenochtitlan, e redescoberta em 1790. A imagem retrata bem os vários aspectos dessa Deusa e seu poder de criar e devorar o mundo: seu rosto é formado por duas serpentes e sua saia é feita de cobras entrelaçadas, animais que simbolizam a fertilidade na cultura asteca. Seus seios são flácidos como os de uma mulher que nutriu muitos filhos, pois ela é a Mãe de Todos. Possui um colar feito de mãos humanas, corações e crânios, como a Terra que tem para si de volta tudo aquilo que morre. Seus dedos das mãos e dos pés são em formato de garras, indicando sua natureza instintiva. Seu cabelo cai por suas costas em treze tranças – simbólicas na religião asteca por representar os treze meses e treze céus -, adornadas com tiras de couro em formato de caracol, símbolo da espiral comum a diversas Deusas da Terra.



Em um dos seus mitos mais populares, Coatlicue vivia na morada dos Deuses, onde cada um deles tinha um dom, e o dela era o de gerar a vida. A Deusa encantava a todos com sua beleza e casou-se com um dos filhos do Senhor da Criação, com quem teve 400 filhos, representados pela Lua, a primogênita, e as estrelas do céu. Na cultura asteca, o termo “400” era utilizado para simbolizar uma grande quantidade. A Deusa vivia feliz, se dedicando aos filhos, até descobrir a traição do marido.

Enfurecida, Coatlicue assassinou Mixcoatl e, tomada pela tristeza e amargura, passou a viver em um templo na Montanha da Serpente onde, em penitência, varria dia após dia o santuário para expurgar sua dor. O aspecto sombrio de Coatlicue se destaca nesse ponto do mito, onde conta-se que vários sacrifícios eram dedicados a ela na tentativa de diminuir as consequências que sua dor causava na vida dos humanos.

Um dia, enquanto limpava o templo, recolheu uma bola de penas de colibri que caíra ao chão. As penas deslizaram por seu colo gerando em seu ventre uma criança. A concepção causou ciúmes e revolta em seus filhos, que exigiam a ela que revelasse o nome do pai da criança, desconhecido também para Coatlicue. Liderados pela irmã primogênita Coyolxauhqui, a Lua, eles decidem matar a mãe e marcham em ofensiva para o Monte Serpente.

No momento da batalha, a Deusa dá a luz e a criança nasce crescida como Huitzilopochtli, o poderoso Deus do Sol e da Guerra, salvando a tempo sua mãe e vencendo seus irmãos. A interpretação simbólica do mito destaca a vitória da luz sobre a escuridão, do Sol sobre a Lua e as estrelas, e o ciclo de morte e renovação da Terra, representada por Coatlicue, que tira e dá a vida.



Sincretismo

Em sua versão mais “moderna”, Tonantzin é celebrada como a própria Virgem de Guadalupe. Com a colonização espanhola no México e a evangelização dos nativos, o culto à Grande Mãe, Tonantzin Coatlicue, foi aos poucos sendo substituído pelo da Virgem católica. Segundo alguns estudiosos, para os índios a devoção a Nossa Senhora de Guadalupe não era algo que lhes causava resistência, talvez pela semelhança que ela tinha com a sua Deusa Mãe.

Dessa forma, como ocorreu em várias culturas ao longo da história, os nativos “adicionavam” os cultos impostos às divindades pré-hispânicas. Neste caso, continuaram a usar o mesmo título de Tonantzin, “Nossa Mãe”, para chamar a Virgem e passaram as utilizar as igrejas em adoração, na verdade, à sua Deusa “tradicional”.

Perto da Cidade do México, na colina de Tepeyac, onde era o santuário mais importante dedicado a Tonantzin, foi erguido então pelos espanhóis a atual Basílica de Nossa Senhora de Guadalupe. Segundo a Igreja Católica, a construção foi uma orientação dada pela própria Virgem de Guadalupe durante as aparições feitas em 1531, na mesma colina, para o índio Juan Diego.

O índio, cujo nome de nascimento era Cuauhtlatoatzin, “aquele que fala como águia”, relatou que, em sua quarta aparição, Guadalupe teria pedido que reconstruíssem seu templo demolido pelos espanhóis em 1521. Em 1979, durante sua viagem ao México, o Papa João Paulo II visitou o Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe e a consagrou com Mãe Santíssima toda a América Latina.


Conecte-se!


O mito de Tonantzin nos traz a força da Deusa Mãe em solo latino-americano, que sobrevive e perpetua seu culto e a nossa conexão com o ciclo da vida-morte-vida. Neste dia, pergunte a si mesma de qual morte você precisa agora: O que precisa morrer em você para que o novo renasça? O que precisa eliminar do seu corpo, do seu coração e de sua mente para recomeçar?

Se o que te impede de seguir é o medo da dor, passe por este portal. Perder é parte do processo. Explore e enfrente a dor, sinta o seu luto. Pulse com a força transformadora da Morte. Aproveite esse momento também para meditar sobre o sentido da sua Vida. Peça ajuda se for preciso.

O poder de cura da Grande Mãe te espera com sua plena capacidade de regeneração. Você pode contar com a ajuda da natureza – sol, vento, água, ervas, florais, alimentação – para recuperar sua saúde física, emocional e vitalidade.

Corte e abandone aquilo que te prende ao passado irmã, e vá renascer…

* Texto com referências do livro Anuário da Grande Mãe (Mirella Faur), do History Channel, adaptações e imagens da Internet



* Artigo original publicado no Jornal Deusa Viva ( Setembro/2017) da Teia de Thea, um Círculo de Mulheres conduzido por Mirella Faur


Por Shirley de Medeiros – Texto protegido pela Lei do Direito Autoral nº 9.610/98.

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