sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Afinal, o que é o tantra?




Tantra é um sistema de conceitualização do universo, um modo de explicar porque a existência existe e como ela funciona. Assim como os Vedas.


Segundo Herbert Von Güenter, estudioso do budismo, os tantras “contém uma visão muito íntegra e saudável da vida”.


No livro Tantra, Georg Feuerstein afirma que o surgimento dos tantras deve-se ao fato deles serem mais adequados às necessidades do Kali Yuga, era caracterizada pela velocidade e preferência a ilusão à verdade.


É importante ressaltar: o Tantra é a filosofia, o sistema, o ponto de vista. Os tantras são as escrituras onde está exposto esse ponto de vista.

O Tantra pode ser encontrado no sul da Índia (como o Shri Vidya Tantra no sul, as linhagens do bengala) ou nas tradições budistas. Durante a colonização inglesa ele foi praticamente condenado à clandestinidade, por ter algumas práticas que afrontavam o puritanismo inglês.


E aqui chegamos a um ponto crucial: “Ah… quer dizer que Tantra é antagônico ao puritanismo, ou seja, é libertino?”.


Não. O fato é que algumas práticas dentro da senda tântrica podem ser realmente não-convencionais, tanto corporal quanto mentalmente, com o intuito de quebrar condicionamentos do praticante. Mas isso pode assumir vários formatos, que variam da meditação ao ocultismo de filmes de terror. O que importa é a quebra de condicionamentos, o “sair da caixinha”. Por isso a necessidade de ser uma tradição de linhagem, onde os que sabem passam para os que querem saber. Caso contrário, o sujeito, ao invés de “sair da caixinha”, acaba entrando numa outra caixa. De areia de gato.

Isso não quer dizer que os tantras (livros) não tratem também de sexo, e que não haja práticas sexuais neles, assim como no Rg Veda existem práticas escandalosas. Esses são ritos, provavelmente muitos deles mal-interpretados, ou levados ao pé da letra, quando não deveriam.

Sexo faz parte da vida animal, e conseqüentemente da vida humana, assim como a respiração, e existem muitas praticas tântricas envolvendo somente a respiração.


O Kularnava Tantra (2.112) afirma: “Beber vinho, comer carne e olhar fixamente no rosto do ser amado de alguém não são comportamentos que conduzam ao estado supremo”.


Outra afirmação que se faz do Tantra é que ele seria oposto ao Vedanta, o que soa um tanto absurdo, já que, assim como tudo na Índia, não existe uma fronteira clara das influências que um pode ter tido sobre o outro nesses milênios recentes. Se lembrarmos que o Hatha Yoga tem bases tântricas, e todos os professores sérios que conhecemos estudam Vedanta, logo se vê que uma distinção cartesiana entre os dois ou inexiste ou é totalmente sem importância.


Os Vedas não são somente livros de 30×20 centímetros traduzidos como divertimento por acadêmicos do século retrasado. São uma tradição oral milenar, onde, com o tempo, foram acrescentados grandes mandalas de mantras (hinos), conhecidos como Rg, Sama, Yajur e Atharva. Ninguém pode dizer se daqui a alguns milênios os tantras se transformarão ou não no quinto Veda (e se isso é importante).


O Tantra procura responder à pergunta de como Um pode se tornar muitos, ou como a realidade definitiva, que é singular, pode dar origem aos incontáveis objetos que percebemos através dos nossos sentidos. Como o Único pode tornar-se muitos?


O Tantra procura responder essa pergunta desde uma perspectiva não dualista: o Único origina os incontáveis objetos que percebemos através dos sentidos apoiando-se no princípio da causalidade (lei do karma) e não na idéia de maya, o mundo manifestado, como sendo uma ilusão. Assim como um vaso, uma estátua ou uma panela de barro são feitos do mesmo barro, cada objeto recebe diferentes nomes e executa diferentes funções.


Espero que esse breve artigo, fruto de alguns anos vendo de tudo um pouco, tenha ajudado a esclarecer um assunto tão em voga quanto mal compreendido. O mais importante, se tratando de Tantra, é saber que se deve procurar uma tradição séria, pois você será ao mesmo tempo o experimentador e o sujeito da experiência. Experiência essa que pode levar à grande bem-aventurança, à união de Shiva-Shakti, mencionada nos tantras.


Boa sorte…


Maurício Wolff

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