domingo, 26 de novembro de 2023

Jesus teve "antecessor", dizem professores




Cinquenta e três anos após o descobrimento dos manuscritos do mar Morto em cavernas e oito anos depois que parte deles se tornou amplamente disponível, discussões amargas ainda envolvem as inscrições em peles de animais que seriam o registro mais antigo da herança judaico-cristã.Especialistas não chegam a um acordo sobre questões básicas como quem redigiu os manuscritos -em hebraico, aramaico e grego- ou exatamente quando eles foram escritos, sem falar na discussão em torno do significado. O diálogo acadêmico normalmente vem acompanhado de processos judiciais.
Mesmo para os padrões dessa área raramente contenciosa, dois especialistas estão provocando uma controvérsia especial com uma teoria não convencional: Jesus não era original, ele teria sido precedido por um messias cujas palavras estariam registradas nos manuscritos.
Trabalhando de forma independente, Michael O. Wise, professor cristão em St. Paul (Minnesota, EUA), e Israel Knohl, professor judeu em Jerusalém, publicaram recentemente livros que argumentam que parte dos manuscritos foi escrita por um messias sofredor que teria vivido pelo menos 50 anos antes do nascimento de Jesus Cristo.
Os especialistas não estão de acordo em relação a quem foi o primeiro messias, assim como em relação a outras questões. Para Wise, autor de "O Primeiro Messias: Investigando o Salvador Antes de Cristo" (HarperSanFrancisco, 1999), o messias dos manuscritos se chamava Judah e teve uma morte violenta por volta de 72 a.C. Para Knohl, cujo "O Messias Antes de Jesus: o Servidor Sofredor dos Manuscritos do Mar Morto" foi publicado em outubro, ele se chamava Menahem e viveu uma geração depois. Segundo Knohl, ele foi morto pelos romanos durante o levante que aconteceu após a morte do rei Herodes, em 4 a.C.
"Temos nos manuscritos a evidência de um messias que representa a combinação de sofrimento e divindade que é típica de Jesus", afirma Knohl. "Toda a abordagem do Novo Testamento deveria ser alterada por causa disso."
A teoria do primeiro messias, como foi concebida por Wise e Knohl, vai na verdade radicalmente de encontro a boa parte dos estudos sobre o Novo Testamento.
A concepção convencional -ao menos entre os especialistas em estudos bíblicos- é que Jesus adquiriu seus atributos messiânicos distintivos apenas após sua morte, pois seus seguidores vêem em sua crucificação e em sua ressurreição o cumprimento de uma profecia sagrada.
Nessa visão, retratar Jesus como um redentor divino seria consequência de uma invenção póstuma de seguidores que nunca o conheceram.
"Estudiosos do Novo Testamento afirmam que o Jesus histórico não podia falar essa língua porque ela não existia no judaísmo de seu tempo", diz Knohl. "Acredito ser possível que Jesus pensasse nesses termos."
Até agora, a maior parte dos especialistas discorda completamente. Alguns chegam a dizer que os esforços de Knohl e Wise foram motivados por questões religiosas: a tentativa de Knohl, judeu, de fazer o cristianismo se assemelhar ao judaísmo, e a tentativa de Wise, cristão, de fazer o judaísmo se assemelhar ao cristianismo.
Há ainda pessoas que descartam a teoria deles como notícia ultrapassada. Afirmam que a tentativa de encontrar um messias nos manuscritos remonta à época em que eles foram descobertos. No início dos anos 50, um especialista francês traçou um paralelo entre uma pessoa descrita como o Professor da Retidão e Jesus Cristo.
Embora sua interpretação ficasse desacreditada mais tarde, ela havia sido amplamente lida e havia influenciado comentaristas como o crítico americano Edmund Wilson, que, ao escrever na revista "New Yorker" em 1955, decretou o esconderijo dos manuscritos em Qumrum, "mais do que Belém ou Nazaré, o berço do cristianismo".
Atualmente, a maioria dos críticos diz que não há evidência de um messias semelhante a Jesus em Qumrum.
"O que aconteceu aqui é o que denomino a maldição dos manuscritos", afirma Lawrence Schiffman, professor de hebraico e estudos judaicos na Universidade de Nova York e autor de vários livros sobre os manuscritos do mar Morto.
"Ambos contribuíram com essa área, mas agora eles perderam o controle. Esses livros vão ser derrotados e dispensados."
O fato de que Knohl and Wise tenham proposto personalidades históricas diferentes para o primeiro messias, céticos dizem, prova que a teoria não é impermeável.
"Isso deveria dar uma pista de que realmente não temos certeza de como ler esse material", afirma Sidnie White Crawford, que leciona na Universidade de Nebraska e que estudou os manuscritos.
Os manuscritos evocaram fascinação e controvérsia desde que foram descobertos, perto do mar Morto. Embora praticamente todos os manuscritos já tenham sido traduzidos e publicados, muita análise ainda precisa ser feita.
A maior parte dos especialistas acredita ter pistas valiosas sobre a história do judaísmo e a origem do cristianismo.
Knohl and Wise não têm a mesma opinião sobre quais textos dos manuscritos seriam de autoria do messias. Knohl se apóia em um texto que denomina "Hino da Autoglorificação".
O autor do hino, escrito na primeira pessoa, afirma que foi "desprezado" e "rejeitado" pelos homens e enfrentou grande "mal".
Ao mesmo tempo, no entanto, ele se compara a anjos e diz ser o "amado do rei" e o "companheiro dos sagrados".
Para Knohl, essas palavras sugerem a combinação de sofrimento e divindade tradicionalmente atribuída unicamente a Jesus.
Wise encontrou evidência semelhante de um messias sofredor em outro conjunto de hinos, os "Hinos de Ação de Graças". Também redigidos na primeira pessoa, esses hinos teriam sido escritos pelo fundador do grupo que produziu os manuscritos, segundo muitos especialistas.
Determinar a identidade histórica do messias deles se mostrou mais difícil. O nome Menahem, por exemplo, não aparece em lugar algum dos manuscritos. Ainda assim, Knohl argumenta que ele era o mais provável candidato a messias de Qumrum.
Wise propôs o nome Judah baseado nas referências à "Casa de Judah". No contexto dos manuscritos, ele argumenta, isso poderia designar um partido político ou uma dinastia liderada por um homem que se chamava Judah.
Esses autores atribuem à turbulência social do último século antes de Cristo -que incluiu a guerra civil entre grupos judeus na Palestina, a chegada dos romanos e a morte de Herodes, seguida de um levante sangrento contra o domínio romano- uma atmosfera propícia ao florescimento de uma nostalgia messiânica.
Quando o arqueólogo Hanan Eshel tomou conhecimento da teoria de Knohl, ele e um colega, Magen Broshi, decidiram submetê-la a um teste científico.
Enviaram amostras do manuscrito do "Hino da Autoglorificação" a um teste de datação. O resultado, que Eshel diz apresentar 90% de precisão, situou o manuscrito entre 168 a.C. e 49 a.C. -cedo demais para o cenário do messias proposto por Knohl, que enfatiza a amizade de Menahem com o rei Herodes. "O hino não pode ser da época de Herodes", afirma Eshel. "Herodes só se tornou rei em 37 a.C. O conceito de Menahem não se sustenta."


EMILY EAKIN

https://www-nytimes-com.translate.goog/2000/12/02/books/proposing-a-messiah-before-jesus.html?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt-BR&_x_tr_pto=sc

Nenhum comentário:

Postar um comentário