segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

A Publicidade da Conversão e o Encobrimento da “Desconversão”


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O número de dissidentes nas religiões é grande, porém sua divulgação é abafada pelos religiosos.

Uma prática comum em muitas instituições é a intenção de divulgar os seus triunfos e ocultar os seus erros e fracassos, sobretudo por aquelas que mais precisam da persuasão para sua sobrevivência e para o seu crescimento, tais como a Política e a Religião. Esta última soube e sabe usar deste artifício com maestria. De modo que um dos triunfos que as religiões proselitistas mais se vangloriam é a conversão de novos adeptos, pois converter um novo fiel é a entrada no caminho para a salvação da sua alma. Sendo assim, os grupos religiosos alardeiam a ocorrência de cada nova conversão, o que é comemorado como um grandioso triunfo. Os pastores elogiam a atitude do recém convertido, este último se entusiasma em relatar a experiência de sua conversão, e quando a conversão é a de uma celebridade, então o barulho é estrondoso. Certas igrejas até realizam cerimônias para apresentar os novos convertidos, pois uma pessoa convertida é uma pessoa salva, alguns a consideram um milagre, por isso a frase “o milagre da conversão”. Alguns indivíduos têm experiências místicas e por isso se convertem para a religião, outros que se consideram dotados de vocação religiosa se encantam quando encontram no misticismo oriental aquela espiritualidade que eles julgam perdida no Ocidente, por isso se convertem e assim por diante. Com isso, o fenômeno da conversão sempre foi acompanhado de grande publicidade alardeado pelos grupos proselitistas.

Agora, por outro lado, o que as religiões escondem é o frequente fato que os atuais pesquisadores do ateísmo denominam de “desconversão” (Coleman III, 2015: 08). Tal como a própria palavra indica, ela é o contrário da conversão, ou seja, é a desistência ou o abandono da religião, também conhecida por apostasia. O motivo mais comum é o desapontamento, pois, assim como na Política Partidária, a Religião promete muito e cumpre pouco. Este é o caso do religioso que, após certo tempo de dedicação, descobre que não acredita mais ou que perdeu a devoção pela doutrina e o entusiasmo pela prática. Este fato é pouco conhecido do público em geral, visto que as religiões evitam a divulgação da sua ocorrência. Já aqueles que frequentam os encontros e as práticas religiosas sabem que o número de “desconvertidos” ou de apóstatas é muito grande, pois no interior dos grupos proselitistas acontece uma intensa rotatividade, cuja publicidade é abafada. Em alguns grupos, o número de desistentes é bem maior do que o daqueles que permanecem. Nestes casos é comum o desapontado escrever um livro, muitas vezes na forma de desabafo, revelando as suas decepções e a ocorrência de fatos imorais e absurdos dentro da instituição que frequentava.




Capa do novo livro de Daniel C. Dennett e Linda LaScola, sobre pregadores que perderam a fé naquilo que pregam.

Conhecidos internacionalmente são os livros escritos pelos ex-seguidores do Movimento Hare Krishna e do guru Rajneesh-Osho narrando os absurdos que testemunharam e que experimentaram no interior dos ashrams (centros de meditação), durante os anos de dedicação. Um livro famoso é o Betrayal of the Spirit: My Life Behind the Headlines of the Hare Krishna Movement (Traição do Espírito: Minha Vida por Trás das Manchetes do Movimento Hare Krishna) de autoria de Nori J. Muster, publicado pela University of Illinois Press. Com a criação da Internet, esta prática se disseminou. Por exemplo, já existe um site brasileiro destinado a postar depoimentos e denúncias de ex-seguidores da igreja Testemunhas de Jeová, e o número de postagens não é pequeno. No universo fanático, para os muçulmanos fundamentalistas a apostasia é crime, punível até com pena de morte nos países onde a Lei Islâmica é seguida com mais rigor, e para os cristãos radicais ela é pecado, condenável ao inferno.

Até nas religiões hereditárias cresce o número de desistentes. O exemplo mais numeroso na atualidade é do Hinduísmo, a religião hereditária com o maior número de seguidores no mundo. Muitos jovens de famílias hindus não desejam mais seguir a tradição dos pais. Quanto aos desapontados ex-praticantes dos Novos Movimentos Religiosos, conheci casos cujos ex-devotos queimaram seus livros religiosos em público, a fim de anunciar a sua decepção e a sua revolta. O motivo de desapontamento mais frequente é o de que a pregação e a propaganda religiosas enchem a mente do novato com expectativas e com esperanças que, no futuro, os resultados não são percebidos, se este não é tão vulnerável à persuasão e à catequese. Em outras palavras, a permanência dos fiéis e dos devotos nos grupos religiosos depende, em quase todos os casos, do grau de vulnerabilidade destes membros à doutrinação e à submissão. Para os interessados no secularismo, uma interessante publicação que está prestes a ser publicada é The Oxford Handbook of Secularism, editado por Phil Zucherman e por John R. Shook, pela Oxford University Press, reunindo trabalhos de alguns dos mais importantes pesquisadores acadêmicos do secularismo e do ateísmo da atualidade.




Capa de um livro sobre as punições para os casos de apostasia no Islã.

Outra ocorrência frequente, mas também abafada, é o caso dos religiosos em posições importantes que perdem a fé e/ou a devoção, mas que, por motivos externos (pressão familiar, motivos financeiros, preservação de status, constrangimento social, etc.) continuam o seu ofício, porém secretamente sem acreditar naquilo que praticam e que pregam, neste caso existe a perda da fé, mas não é um caso de apostasia, uma vez que o religioso não abandonou oficialmente a religião. Este é o tema do último livro de Daniel C. Dennett e Linda LaScola denominado Caught in the Pulpit: Leaving Belief Behind (Preso no Púlpito: Deixando a Crença para Trás – 2015), isto é, padres, pastores e pregadores em geral que pregam aquilo que nem sequer acreditam mais, em função da indignação com a religião (Coleman III, 2015: 08). Interessante também é o recente artigo When Rabbis Lose Faith: Twelve Rabbis Tell their Stories about their Loss of Belief in God (Quando os Rabinos Perdem a Fé: Doze Rabinos Relatam suas Histórias sobre suas Perdas de Crença em Deus), de autoria de Shrell-Fox (Coleman III, 2015: 09).

Enfim, diante do recente aumento da divulgação destes fatos anteriormente encobertos, o público cada vez mais passará a entender que nem absolutamente todos os líderes pastorais e rabínicos são crentes convictos, pois, enfim, existem ateus no púlpito, bem como, que as religiões proselitistas não são apenas eficientes catalisadoras de convertidos, mas também, ao mesmo tempo, geradoras de desapontados e de desiludidos.

Obra consultada:

COLEMAN III, Thomas J., Ralph W. Hood Jr. and John R. Shook. An Introduction to Atheism, Secularism and Science em Science, Religion & Culture, Volume 02, Issue 03, June 2015.

por Octavio da Cunha Botelho



https://observadorcriticodasreligioes.wordpress.com/2015/08/04/a-publicidade-da-conversao-e-o-encobrimento-da-desconversao/

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