terça-feira, 19 de dezembro de 2023

O Tantra de Osho




Os ensinamentos

Muitos 
sannyasis (renunciantes), seguidores de Rajneesh-Osho, o caracterizaram como uma mistura de louco, salvador, charlatão e santo (Goldman, 2004: 122). Estritamente falando, em si mesmos, os ensinamentos de Rajneesh-Osho não eram originais, melhor dizendo, eles foram extraídos de uma diversificada mistura de diferentes fontes, sobretudo, Tantra, Yoga, Zen, Sufismo, Budismo, Taoismo, Hassidismo, bem como de pensadores, de instrutores e de autores mais recentes: Nietzsche, Gurdjieff, Crowley, Krishnamurti e de ideias dos movimentos Contracultura e New Age. Hugh B. Urban resumiu assim: “Mais do que promover uma religião no sentido convencional, Rajneesh ensinou uma marca de espiritualidade radicalmente iconoclasta, uma filosofia antinomiana e um anarquismo moral. Como uma religião ‘sem religião’, ou anti religião, a religião dele era o caminho além da moralidade convencional, além do bem e do mal, e fundada na explícita rejeição de todas as tradições, de todos os valores e de todas as doutrinas. ‘Moralidade é uma moeda falsa, ela engana as pessoas’ ele advertia. ‘Um homem de real compreensão não é nem bom nem mal. Ele transcende ambos’. Para Rajneesh, a causa de todos os nossos sofrimentos é a deformante socialização ou o processo de programação de indivíduos pelas instituições culturais, tais como família, escola, religião e governo. Todas as meta-narrativas e teorias predominantes sobre o universo são apenas ficções, criações imaginárias usadas por aqueles no poder para dominar as massas. A liberdade só pode ser alcançada através da desprogramação de tais narrativas, libertando-se das limitantes estruturas do passado. As pessoas devem ser desprogramadas e deshipnotizadas. ‘Vocês são programados pela família, pela educação e pelas instituições. Sua mente é como um quadro negro, no qual as regras estão escritas. Bhagwan escreve novas regras sobre o quadro negro. Ele diz a vocês uma coisa e em seguida o oposto que também é verdadeiro. Ele escreve e escreve no quadro negro da sua mente, até que ela se torne um quadro branco. Então, vocês não terão mais nenhum vestígio de programação nas suas mentes’” (Urban, 2003: 239). Ele tinha um estilo jocoso de criticar: “Vocês certamente sofreram uma lavagem cerebral, eu uso uma máquina de secar. E o que há de errado em sofrer uma lavagem cerebral? Lave seu cérebro todos os dias, mantenha-o limpo. Ele é apenas uma lavanderia religiosa de atualização” (Urban, 2003: 329).

Em razão de palestrar quase sempre e de escrever tanto, e tão afoitamente, os seus ensinamentos são flagrantemente contraditórios. Tanto que, até ele mesmo reconhecia e procurou se justificar: “Por que eu digo contradições? Eu não estou ensinando filosofia aqui. O filósofo precisa ser muito consistente, perfeito, lógico e racional. Eu não sou um filósofo. Eu não estou aqui dando para vocês um dogma consistente ao qual vocês podem se prender. Meu inteiro esforço é dar a vocês uma ‘não-mente’” (Urban, 2003: 241). Sendo assim, torna-se difícil sistematizar os ensinamentos de Rajneesh-Osho, ou seja, escrever um compêndio ou um manual sistematizado de suas doutrinas parece ser uma tarefa complicada. Ou como David G. Bromley e Susan J. Palmer explicam: “Rajneesh desenvolveu um complexo conjunto de ideias que desafia a elaboração de um simples resumo, porque Rajneesh acreditava na prioridade da experiência sobre as ideias e que o mundo incorpora inconsistência e um inter-relacionamento dinâmico de opostos” (Bromley, 2007: 140).

Enfim, ao mesmo tempo em que a sua sortida mistura de doutrinas religiosas atraiu muitos admiradores e seguidores, outros intérpretes a consideram uma deformação de todas estas doutrinas. Enquanto que, para os céticos, o Movimento Rajneesh-Osho foi mais um surto de religiosidade do século XX, com uma nova formatação e um novo arranjo, para atrair os crédulos, em uma época e para um público escolarizado que, cada vez mais, tornava-se secular, portanto na contra mão do sentido das sociedades com melhor qualidade de vida e dos indivíduos mais esclarecidos respectivamente.

O guru do sexo

Embora não fosse tudo, o elemento sexual era uma ênfase nas ideias e nas práticas do movimento, daí que Rajneesh-Osho ficou conhecido como o “guru do sexo” (Urban, 2003: 235s). Para o historiador H. Urban, quanto ao Tantra, “a versão de Rajneesh-Osho é a transformação em mercadoria e a comercialização da tradição” (Urban, 2003: 236). A prática da sua ‘meditação dinâmica’ é entendida, por muitos de fora do movimento, como uma orgia sexual.

Para este pesquisador, Rajneesh-Osho “foi um dos primeiros indianos a viajar para a América e importar sua própria marca de ‘neo-tantrismo’, vendida para a cultura consumidora americana no final do século XX”. O que ele fez foi uma “transformação do sexo em mercadoria”, bem como uma “espécie de transformação do êxtase em mercadoria”. Para este historiador das religiões, ele foi “o mais notável guru do sexo do século XX”. E mais, “Rajneesh oferecia tudo que os ocidentais imaginavam que o Tantra fosse: um culto de amor livre que prometia a iluminação, uma excitante comunidade radical. Rajneesh encaminhou-se confortavelmente para o papel de Messias do Tantra. Em grande parte por causa de Rajneesh, o Tantra ressurgiu como um culto New Age nos anos 1970 e 1980” (Urban, 2003: 237).

Rajneesh definia e interpretada o Tantra assim: “O Tantra é a suprema ‘não religião’ ou ‘antireligião’, uma prática espiritual que não exige ritual e moralidade rigorosa, mas, ao invés disto, livra o indivíduo de tais repressões. O Tantra é liberdade – liberdade de todos os construtos mentais, de todos os jogos mentais, o Tantra é libertação. O Tantra não é religião. Religião é um jogo da mente. O Tantra descarta todas as disciplinas” (Urban, 2003: 239-40). Rajneesh dizia: “O Tantra é rebelde. Eu não o chamo de revolucionário, porque não existe nada de político nele. É uma rebelião individual. É uma escapulida individual das estruturas e da escravidão. O futuro é esperançoso. O Tantra se tornará cada vez mais importante…” (Urban, 2003: 240).

No mais forte contraste com as instituições sociais estabelecidas, o Tantra não nega a vida e o corpo, melhor dizendo, ele é a suprema afirmação da paixão, fisicamente, do prazer. Ele é a suprema religião ‘apenas faça-o’, que celebra a vida em toda sua transitoriedade e contingência: o Tantra aceita tudo, vive tudo. Rajneesh-Osho declarava: “Isto é o que o Tantra diz: o Caminho Majestoso – comporte-se como um rei, não como um soldado. O Tantra celebra a natureza humana em suas dimensões mais defeituosas, fracas e mesmo aparentemente perversas. Se você é ganancioso, seja ganancioso, não se importe com a ganância”. E mais; “a aceitação tântrica é total, ela não separa você. Todas as religiões do mundo, exceto o Tantra, têm criado personalidades divididas, têm criado esquizofrenia. Elas dizem que o bem tem que ser alcançado e o mal negado, e que o demônio tem de ser negado e deus aceito. O Tantra diz que uma transformação é possível. A transformação vem quando você aceita o seu ser total. O ódio é absorvido, a cobiça é absorvida” (Urban, 2003: 240).

Sobretudo, o Tantra gira em torno do sexo, um poder que é, ao mesmo tempo, a mais intensa força na natureza humana e também a mais severamente distorcida pela sociedade ocidental. Porque o Ocidente Cristão Tradicional suprimiu a sexualidade, Rajneesh-Osho argumentava: “é a sexualidade que deve ser libertada se os discípulos modernos desejarem atualizar completamente seu eu interno. A repressão cristã tem criado muitos bloqueios no homem, onde a energia se tornou encolhida dentro de si mesma, se tornou estagnada, não é mais atuante. A sociedade é contra o sexo, ela criou um bloqueio…”.

Em oposição à atitude ocidental que nega a vida, o Tantra é o caminho que aceita tudo, sobretudo, o impulso sexual. Como o poder mais forte na natureza humana, o sexo torna-se a energia espiritual mais forte quando é plenamente integrada e absorvida. De modo que, muitas práticas ensinadas por Rajneesh-Osho envolviam sexo grupal. “Terapias intensivas”, tal como ele as chamava, as quais eram efetuadas para realizar uma catarse seguida pela transformação da consciência. Assim, o supremo objetivo das práticas tântricas é precisamente alcançar esta plena autoaceitação, amar a nós mesmos intensamente e completamente, com todos os nossos pecados, vícios, cobiças e desejos sexuais, e reconhecer que nós já somos perfeitos. Nas palavras de Rajneesh-Osho: “Esta é a coisa mais fundamental no Tantra, isto é, você já é perfeito… A perfeição não tem de ser alcançada. Ela simplesmente precisa ser percebida, uma vez que ela já está aí, O Tantra oferece a você a iluminação aqui e agora, sem prazo, sem adiamento…” (Urban, 2003: 240-41).

Antes de terminar este estudo, é preciso esclarecer que esta interpretação do Tantra de Rajneesh-Osho é extremamente controvertida. Nem todos os intérpretes admitem que o Tantra seja tão focado no sexo. Ademais, o Tantrismo é uma tradição multiplamente dividida em distintas correntes (hindu, budista, jainista, lamaísta, Shingon, etc.), a qual, mesmo dentro de cada uma destas correntes, desdobra-se em inúmeras subdivisões, portanto a versão deste extravagante e manipulador guru tântrico acima é mais uma dentre tantas muitas outras.

https://observadorcriticodasreligioes.wordpress.com/2014/01/01/rajneesh-osho-e-sua-trajetoria-circular/

*"Antinominiana" refere-se a uma visão teológica que rejeita a importância da lei moral na salvação, argumentando que a fé em Deus e na graça divina são suficientes para a salvação, independentemente da obediência à lei. O termo é frequentemente usado em contextos teológicos, especialmente em debates sobre a relação entre fé, graça e obras na soteriologia cristã (doutrina da salvação).


*"Iconoclasta" refere-se a alguém ou algo que é contrário à adoração ou à veneração de ícones, imagens ou ídolos. O termo também pode ser usado de maneira mais ampla para descrever uma pessoa que desafia ou critica fortemente as tradições estabelecidas ou as crenças comuns. O iconoclasta muitas vezes busca quebrar tradições ou sistemas de pensamento considerados estagnados.

Octavio da Cunha Botelho

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