sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Crucificação à luz de Joseph Campbell



Conhecido como um dos maiores estudiosos de Mitologia e Religião Comparada do Século XX, o americano Joseph Campbell (1904-1987), autor de “O Poder do Mito” e “A Jornada do Herói”, analisou vários símbolos e mitos cristãos, entre eles o da crucificação e ressurreição de Jesus Cristo, o profeta do Cristianismo, que usa a imagem dele em sua cruz como um dos seus símbolos máximos — como é relembrado neste período de Páscoa (e hoje também seria aniversário de Campbell, nascido em 26 de março de 1904). Campbell analisou esses símbolos mais de uma vez, usando várias referências históricas ricas e diversas, da Idade Média passando pelo folclore germânico e Carl Jung, e numa delas revela o que ele mesmo vê no simbolismo da Crucificação. O trecho segue na íntegra mais abaixo (após a imagem da pintura de Giotto), do livro “A Joseph Campbell Companion: Reflections on the Art of Living” e traduzido livremente por este blog.

Em um outro texto, do livro “Isto És Tu – Redimensionando A Metáfora Religiosa” (Landy), Joseph Campbell também analisa o símbolo da cruz e da crucificação explorando a questão de porque isso é mitologia e não história (ou mais mitologia do que história, se forem também história). Ele diz: “A resposta, portanto, à nossa pergunta do porquê a crucificação de Jesus ter tal importância para os cristãos envolve um complexo de associações essenciais que não são, de modo algum, históricas, mas sim mitológicas, pois, com efeito, jamais houve qualquer Jardim do Éden ou serpente capaz de falar, nem o “Primeiro Homem” solitário pré-pitecantropóide ou o sonho como “Mãe Eva” invocado a partir de sua costela” (pg.77). O livro pode ser encontrado em PDF na Internet ou em sebos como os da Estante Virtual.

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“ISTO ÉS TU”, capítulo Cruz e Crucificação [trecho] Joseph Campbell

“O que sempre é básico na Páscoa, ou ressurreição, é a crucificação. Se você quer ressurreição, você deve ter crucificação. Muitas interpretações da Crucificação falharam em enfatizar esse relacionamento e ao invés disso enfatizam a calamidade do evento. Se você enfatiza a calamidade, você busca alguém para culpar, e por isso as pessoas culparam os Judeus. Mas a crucificação não é uma calamidade se leva a uma nova vida. Através da crucificação de Cristo nós fomos libertados da concha, o que nos capacitou a nascer através da ressurreição. Isso não é uma calamidade. Por isso temos que ter um olhar renovado para este evento para que seu simbolismo seja percebido.

Se pensarmos na Crucificação apenas em termos históricos, perdemos a referência imediata do símbolo para nós. Jesus deixou seu corpo mortal na cruz, o signo da terra, para ir a seu Pai, com quem ele era um. De maneira parecida, nós vamos nos identificar com a vida eterna dentro de nós. O símbolo também nos fala da aceitação voluntária de Deus da cruz, quer dizer, de sua participação nas provaçÕes e tristezas da vida humana no mundo, de maneira que ele está aqui dentro de nos, não por causa de uma queda ou engano, mas por alegria e êxtase. Assim a cruz tem um sentido dual: um, nossa ida para o divino, a outra, da vinda do divino até nós. É uma verdadeira travessia. (nota da tradução: aqui há uma citação do verbo “atravessar”, ou “cruzar”, que usa a mesma raiza de “cruz”: cross, como cruz, e crossing, como cruzamento, no sentido de travessia).

Na tradição Cristã, a crucificação de Cristo é um grande problema: porque o salvador não poderia apenas ter vindo? Porque ele teve que ser crucificado?

Bem, várias explicações teológicas tem vindo até nós, mas eu acho que uma explicação adequada e apropriada pode ser encontrada na Epístola de Paulo aos Filipenses, onde ele escreve no capítulo 2 que Cristo não achava que a Divindade era algo para ser mantido – o que quer dizer que nem você deve manter – mas, ao invés disso, entregue, ele tomou a forma de um servo até mesmo na morte na cruz. Isso é uma afirmação feliz dos sofrimentos do mundo. A imitação de Cristo, então, é participar dos sofrimentos e alegrias do mundo, ainda que todo o tempo vendo através delas a radiância da presença divina. Isso é funcionar a partir do chakra do coração, onde os dois triângulos estão unidos.

É isso que vejo na Crucificação. De todas as explicações que tenho lido, é a única que faz aquilo que eu chamaria de um sentido respeitável. Os outros são todos preocupados com um deus vingativo que tem que ser apaziguado pelo sacrifício do seu filho. O que você faz com uma coisa dessas? É uma tradução do sacrifício numa imagem muito bruta. A idéia de Deus sendo uma entidade que tem que ser acalmada é sórdida demais para ser concebida.”

— Joseph Campbell em “A Joseph Campbell Companion: Reflections on the Art of Living”

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Imagem: detalhe de “Cristo Cruficiado”, de Giotto (aprox. 1310).


https://www.dharmalog.com/2016/03/26/isso-que-vejo-na-crucificacao-joseph-campbell-significado-simbolo-cristao/

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