quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

O Simbolismo Filosófico do Tarot Egípcio




Embora não se conhecendo a origem do Tarot, o que permite muitas teorias, é certo que faz parte de toda a tradição Hermética e se consideramos que o berço do hermetismo encontra-se no Egipto, talvez se possa afirmar que a sua origem mais profunda radica aí.

Sabe-se que no Egipto era uma das práticas de formação discipular colocar o neófito frente a imagens, signos e símbolos, para que através da sua interiorização e compreensão chegassem ao conhecimento íntimo do Universo e naturalmente da sua própria alma, esta prática era comum também na China, com o I Ching, e na India, através de mandalas e outras imagens, que tal como com o Tarot acabou por ficar fundamentalmente o lado oracular.

Uma das hipóteses que alguns historiadores levantam é que com a queda do Egipto, em que muitos conhecimentos saem dos templos e se popularizam criando múltiplas e variadas formas de feitiçaria, estas mesmas imagens tivessem saído e se popularizado de alguma forma em amuletos, meios de adivinhação, etc. e daí terem-se expandido através do “gypsies” ou ciganos, cujo nome em inglês poderia estar ligado a sua vinda do Egipto, e que teriam expandido muitas dessas artes divinatórias, só se conhecendo documentalmente o primeiro relato dessas cartas na Europa no século XIV a serem utilizadas por eles, dando origem nesse período medieval e posteriormente a muitas variedades de desenhos ajustados às épocas.

A própria origem da palavra Tarot é discutível, no entanto, duas possíveis origens são curiosas: Uma proveniente do egípcio, TAR, que significa caminho, estrada, e RO, que significa rei ou real, constituindo assim o “Caminho Real. Uma outra origina-o do árabe turuq, que significa “Quatro Caminhos”.

Embora sem possibilidades de confirmação até ao momento, embora algo plausível, segundo Christian na “Histoire de la Magie”, “os vinte e dois arcanos maiores do Tarot, representam pinturas hieroglíficas que foram encontradas nos espaços entre as 22 colunas de uma galeria, onde os neófitos deviam passar nas iniciações egípcias. Havia 12 colunas ao norte e 12 colunas ao sul, ou seja, onze figuras simbólicas de cada lado. Estas figuras eram explicadas ao candidato em ordem regular, e elas continham as regras e os princípios da iniciação. Esta opinião é confirmada pela correspondência que existe entre os arcanos quando eles são desta forma arranjados.”(1)

O que certamente podemos dizer é que o Tarot constitui uma profunda e completa linguagem dos ensinamentos herméticos onde se juntam as ciências como a alquimia, astrologia e cabala.

O tarot é constituido por 78 cartas, no entanto iremos apenas debruçar-nos sobre os seus 22 Arcanos Maiores.

Este trabalho não é mais do que uma breve reflexão sobre cada uma dessas 22 cartas para, de alguma forma, ajudar a conhecer algumas chaves de interpretação que possam levar o leitor a encontrar dentro de si mesmo caminhos de compreensão das mensagens nelas contidas.

1 – O Mago

Ele representa o eixo entre a Terra e o Céu. Com as duas mãos estabelece a ligação dessa polaridade: A mão direita segura o ceptro que estabelece o caminho que o liga ao anel de ouro do Céu, o poder uno, e com a mão esquerda aponta o cubo da Terra, representando a emanação do poder activo. É o Eu chamado a criar.

Na cintura uma serpente enrolada morde a própria cauda. O cinto, simbolicamente em várias ordens ao longo dos tempos representa o compromisso ou juramento, era para os iniciados símbolo da força e poder de que está investido, pois ao localizar-se na cintura marca o poder interior que une o triângulo divino da parte superior do corpo que se projecta poderoso sobre a matéria e o triângulo inferior que marca a verticalização ou espiritualização do mundo. Tudo toma maior intensidade ao considerarmos a simbologia da serpente associada à iniciação que como o Ouroboros o liga à unidade do Universo.

A estrela que surge no céu, deixando um rasto, mostra o Caminho, tal como aparecia no início da obra alquímica, mostrando ao alquimista que estava no caminho certo da Obra.

O Cubo simboliza o mundo material e no centro encontra-se o Ibis, Senhor da Inteligência, criador da escrita e das artes, que permite por isso conhecer o mundo e trabalhar no justo sentido do seu aperfeiçoamento. Ele é o que devora os ovos do crocodilo que reina sobre o caos.

Sobre o cubo encontram-se três símbolos do Poder Interno, a tríade divina que dirige o quadrado ou cubo da matéria: A espada, símbolo da Vontade; a taça, como um Graal, simbolizando o Amor/Sabedoria; o pentagrama representando a verticalidade do Fogo da Inteligência. Correspondendo estes três elementos à fórmula iniciática do Poder: Querer, Saber e Ousar.

Ideias Chave:

Princípio de tudo ou causa primeira; Posse de si mesmo; Poder interno; Iniciado; Poder criador.



2 – O Portal do Santuário (A Sacerdotisa)

Isis é a deusa da noite profunda, a Porta dos Mistérios velada pelos sete véus na Natureza. É a Realidade dissimulada por detrás da cortina das aparências sensíveis. Por isso é também a Senhora da Lua, dos ciclos de vida e morte, da eterna oportunidade que os ciclos permitem à alma de retornar e aprofundar. A Lua que se encontra em forma de barca é a receptividade ao mundo superior, a Intuição. Metade do corpo está velado e a outra metade descoberta, à semelhança de muitas representações de Santana que aparece com um livro aberto e um fechado, representando os dois conhecimentos: o exotérico, visível e externo, e o esotérico, invisível, profundo e da compreensão das causas. No peito de Ísis encontra-se o símbolo de Mercúrio, a Inteligência superior (circulo da unidade) que liga a receptividade da intuição (barca lunar) e concretiza na terra (a cruz). A cruz é a chave que abre o interior das coisas, unida ao Sol e à Lua, à Inteligência e à Intuição. É Hermes Trimegisto, o Três Vezes Sábio, Senhor da Sabedoria. No colo de Isis encontra-se o livro dos Segredos.

Duas colunas ladeiam esta porta, uma branca e outra preta, a criação sustentada na dualidade, e cujos capiteis se abrem ao mundo dos Deuses.

Ideias Chave: Metafísica; Sabedoria; Mistério; Segurança Interior.



3 – Isis-Urania (A Imperatriz)

No fundo da imagem encontramos o Sol, a Inteligência Criadora (o Triplo Logos Solar) e doze estrelas circundam a cabeça de Isis-Urania. Doze é o número da gestação na geração, as doze etapas ou arquétipos a serem conquistados pela alma (como os 12 Trabalhos de Hérculos) até que a alma alcance o estado divino e se torne una com Deus.

Isis-Urania é a Rainha do Céu, Senhora das mais sublimes alturas da idealidade, do Reino dos Arquétipos, dos quais tudo se origina e se cria, por isso o seus pés sobre a Lua representa o domínio sobre o mundo lunar, dos ciclos e da transformação incessante e sentada sobre o cubo da matéria a domina. Os olhos que espreitam neste cubo eram para os alquimistas a imagem de todo o Universo(2), Deus em tudo.

O ceptro encimado por uma esfera é o Ideal que se impõe, a Ideia que comanda.

O abutre à sua frente representa Mut, deusa guardiã do Céu, com as asas abertas, uma para cima e outra para baixo, em sinal de protecção das palavras ou do Verbo.

Em cima temos o símbolo de Vénus, a Inteligência (circulo, Sol) como poder criador na matéria (cruz, Terra). Vénus é o Amor, aquilo que une e por isso a força que mantém a vida, e neste caso Vénus-Urania, a força de atracção para o mundo ideal, arquetipal, que se “opõe” a Vénus-Pandemos, a atracção para as imagens do mundo.

Ideias chave:

Domínio do inteligível; Discernimento; Potência da Alma; Os Arquétipos criadores.



4 – A Pedra Cúbica (O Imperador)

Representa o Fogo Vital e Criador, o Grande Obreiro. No seu peito a imagem de Hórus, o Sol Real, o princípio celeste, símbolo ascensional de todos os planos, ao passo que o leopardo no cubo representaria a força encarnada na matéria ou o Sol no seu percurso nocturno (mergulhado na Terra).

Na representação do personagem podemos encontrar na forma do seu tronco o compasso e no seu saiote o esquadro, símbolos do demiurgo, o compasso da perfeição esférica do céu e o esquadro da perfeita ordem do mundo. Numa chave humana ele é o deus interior que ordena e fixa, princípio de crescimento e acção.

A pedra cúbica, sobre a qual está sentado, é a Pedra Filosofal, a realização perfeita.

O ceptro com o círculo simboliza a Alma do Mundo.

Nesta carta encontramos o símbolo de Júpiter, a autoridade, o princípio da organização e ordem.

Ideias chave:

Poder; Vontade; Constância; Firmeza; Rigor; Tenacidade



5 – O Mestre dos Arcanos

É o conciliador dos opostos, o Senhor da Rede de Caminhos. Os dois personagens representam os seguidores ou aduladores de um ou outro dos caminhos, subjugados ao seu poder. O seu báculo é símbolo dessa unificação da dualidade que deve ser vencido pelo fulgor guerreiro de Marte em Carneiro (representados na carta) que permite romper a ilusão e traçar o recto caminho da Sabedoria.

Ele é o grande dispensador do Fogo Celeste, o despertador da consciência, os Sefiroth: “raios, qualidades, atributos de Deus, cuja Actividade descendente eles manifestam, e cuja mediação permite, inversamente subir até ao Princípio, de apreender a Essência inapreensivel, Ayn Soph.” (3). Com a sua mão direita dá a bênção solar.

Ideias chave:

Sabedoria; Compreensão filosófica; Vontade.



6 – As Duas Vias (Os Amantes)

Esta carta recorda-nos o episódio do Mito de Hércules quando depois de ser iniciado pelo centauro Quirón retira-se para meditar sobre o que fazer com o conhecimento e poder adquiridos, aparecendo-lhe duas mulheres, cada uma delas incitando-o a segui-las. Uma representando a virtude que antevê-lhe uma existência de luta e esforços para triunfar através da coragem e energia. A outra, representando o vicio convida-o a gozar a vida, abandonando-se aos seus prazeres.

É a prova da encruzilhada dos caminhos em que nos perguntamos: Qual seguir? De um lado temos a mulher de tronco desnudo e vestido verde representando a exuberância da vida, a vegetação, a vitalidade passiva, a Natureza e cujo caminho é vermelho, a energia da paixão. Do outro lado a mulher vestida de azul sobre um caminho também azul representa a Alma e a espiritualidade. No centro da encruzilhada temos o Discípulo que de braços cruzados torna-se uma coluna de unidade e estabilidade. Resistindo, surge a ajuda divina de Mau, o guardião luminoso dos passos no caminho, que mata a tentadora.

A Lua e Touro presentes nesta carta falam-nos precisamente da prova das tendências sensoriais, da vida simples e tranquila.

Ideias Chave:

Aspirações; Liberdade ou Livre Arbítrio; Prova; Dúvida e Decisão; Estabilidade; Resistência.



7 – O empreendimento de Osíris (O Carro)

Esta carta mostra-nos a Alma determinada a percorrer os caminhos que a levam ao seu objectivo. Colocado no centro, entre o céu, representado pela facha azul estrelada, e a terra, as flores sobre a facha verde na carruagem que tem a forma quadrada da Terra, o mestre condutor do carro persegue o ideal de aperfeiçoamento moral, isto é, a unidade entre espírito, alma e corpo, sintetizado do bastão de poder com o triângulo (espírito), círculo (alma) e quadrado (corpo) e munido da espada da vontade que abre o caminho. Ele é o que tem o poder de governar, simbolizado pelo diadema dos 3 pentagramas de ouro dos iniciados.

No peito do mestre condutor encontra-se o duplo esquadro, representado a actividade e dinamismo na ordenação do mundo e o Tau, também uma forma de esquadro, representando o equilíbrio que resulta da união do activo e do passivo. Ele é, neste sentido, aquele que concilia os opostos.

Puxando o carro encontramos uma esfinge branca e uma negra. A branca representa a vontade construtiva que aspira ao bem e a negra a impetuosidade ou impaciência.

A presença do Sol e de Gémeos, mostra por um lado (o solar) o poder, o idealismo, espiritualidade, o ideal do Eu interior que conduz e por outro (Gémeos) que lhe dá o poder de alcançar o êxito pela qualidade de versatilidade em utilizar e ligar todos os recursos.



Ideias chave:

Autodomínio; Governo; Harmonização; Direccionalidade.



8 – A Balança e a Espada (A Justiça)

Imagem da Justiça, de olhos vendados, pois não deve avaliar de acordo com as percepções ilusórias mas com o discernimento interior por união à Lei. Numa das mãos a espada do rigor e da vontade executora da ordem e na outra a balança reparadora cujas oscilações levam ao equilíbrio.

Atrás da personagem central encontra-se a dupla Maat (deusa da Justiça no Egipto) com as asas abertas para baixo em símbolo de protecção. Maat encontra-se representada de forma dupla relacionando-se com as duas ordens ou justiças, a divina e a manifestada, como dizia Platão “o que é verdade para os homens é mentira para os deuses e o que é verdade para os deuses é mentira para os homens”. Esta dupla ordem encontra-se também em relação com o próprio número 8 da carta e as oito plumas azuis de Maat que sem encontram no trono já que este número representa a união desta dupla ordem, a divina associada ao circulo do Céu e a da Terra ao quadrado, que unidas dão o duplo quadrado ou o sol/estrela de oito raios, o Sol-Inteligência ou Luz dos Homens.

Também podemos encontrar o mesmo simbolismo no lótus que se abre no cimo da imagem, onde encontramos a cruz inscrita no círculo.

Uma leoa, como a deusa Sekhmet, símbolo do poder, sabedoria e justiça, aparece nesta carta representada com várias mamas, recordando a deusa Artemisa de Éfeso, a grande dispensadora do Leite Nutritivo, pois é de sabedoria e justiça, mesmo quando através da dor da sua execução, que o Homem se deve alimentar para crescer interiormente, por isso um dos nomes de Sekhmet era “A Inspiradora da Humanidade”.

Os símbolos de Vénus e Caranguejo na carta dão a força do carácter protector e harmonizador da família humana.

Ideias chave:

Imparcialidade; Justiça; Integridade; Disciplina; Firmeza de Propósito; Equilíbrio e Harmonia.



9 – A Lâmpada Protegida (O Eremita)

Esta é a carta do discípulo ou do peregrino que vai percorrendo os caminhos ainda pouco claros, tendo que proteger a sua lâmpada que é alimentada pelos ensinamentos mas protegida pela capa quadrada da sua personalidade. Esta carta alerta para a necessidade de recolhimento para se abrigar de toda a infiltração perturbadora que pode apagar a sua chama ou fazê-la perder intensidade. É o retiro em si mesmo, não como fim mas de modo a afastar-se das contingências presentes, ele tece interiormente aquilo que se deve realizar. É o trabalho invisível e interior de gestação para a realização da germinação amanhã. É o Ser em potência que virá a Ser, por isso ele ainda transporta atrás o báculo de Anubis, a sabedoria que abre os caminhos.

A presença de Jupiter e Leão impulsiona ao crescimento interior e à expansão do Eu, a entrega da personalidade para o brilho do Eu interior

Ideias chave:

Prudência; Recolhimento; Discípulo; Crescimento Interior; Fortaleza; Humildade.



10 – A Esfinge (A Roda da Fortuna)

É a Roda da Lei ou Roda da Vida, a roda dos nascimentos e das mortes sucessivas através do cosmos, a instabilidade permanente e o eterno retorno. De um lado todas as energias benfazejas e construtivas, representadas pelo gato Mau que a fazem ascender, do outro os agentes destrutivos representados por tifon (cujo simbolismo veremos na carta 15) e que a fazem descer, elas são as duas forças que movem o mundo em torno do eixo imóvel ou princípio de irradiação de todas as manifestações, pois os raios da roda são a relação do centro com o circulo externo que gira. Oito são os raios, como as oito direcções do espaço, representando a regeneração e renovação infinita (ou o 8 na horizontal ∞).

Em cima a Esfinge representando o equilíbrio e fixidez que assegura a estabilidade transitória das formas que vai impulsionando por meio da lança. A Esfinge oculta o enigma, a palavra criadora, que se encontra escondida das criaturas.

Em baixo as duas serpentes, como no caduceu de Mercúrio, representando as duas energias que impulsionam à sublimação da vida.

A presença de Mercúrio e Virgem nesta carta mostra o conhecimento que permite fazer e o fazer que permite conhecer. O racional com a precisão da realização. Conhecimento e realização movem a Roda.

Ideias chave:

Iniciativa; Semente; Êxito pelo bom aproveitamento das ocasiões; Inconstância; Ciclicidade.



11 – O Leão Domado (A Força)

Aqui encontramos a força como virtude cardeal, a força subtil da alma que domina o leão, encarnação dos ardores indisciplinados e impetuosos das paixões, que no entanto pode prestar imensos serviços a quem souber dominá-los. O sábio respeita todas as energias, mesmo as perigosas, pois sabe que as tem que dominar para as utilizar. Ele é o grande transmutador.

A túnica da personagem tem os raios azuis celestes da justiça e o laranja da inteligência. Com justiça e inteligência pode-se manobrar convenientemente todas as energias.

A presença de Marte dá precisamente esta força e combatividade. É a energia viril que ao serviço do Eu permite a conquista dos nobres objectivos.

Ideias chave:

Poder dominador sobre os impulsos; Razão e sentimento unidos para submeter o instinto; Pensamento/Vontade; Triunfo da Inteligência; Virtude; Mestria sobre si mesmo.



12 – O Enforcado

Forma um triângulo invertido com os braços e com as pernas cruzadas um quatro, deste modo representando o septenário invertido, simbolizando o despojamento. Ele é o sábio que discerniu a vaidade das ambições pessoais e compreendeu a fecundidade do sacrifício heróico, o esquecimento de si mesmo. A cabeça e o triângulo dirigidos para a terra significa que as suas preocupações são devotadas ao bem do outro, à redenção da humanidade.

As palmeiras, símbolos da vitória e ascensão fazem-no elevar e soltar as moedas, os seus “talentos” ou dons, que lhe caem são os tesouros espirituais acumulados pelo adepto que de forma desapegada semeia generosamente o ouro das ideias justas e dos preciosos conhecimentos.

A presença dos símbolos da Lua e da Balança dão o impulso à entrega e ao amor aos outros.

Ideias chave:

Alma livre; libertação do egoísmo; Sacrifício redentor; Perfeição moral; Abnegação; Entrega a um Ideal.



13 – A Morte

Ela é a rejuvenescedora, a que dissolve as formas usadas recombinando-as, pois a morte não mata mas vivifica.

Ela é também a morte iniciática, a morte de um estado profano e cego para o nascimento num estado mais elevado, a morte de um estado de imperfeição para um estado mais sublime. Ela é por isso a que preside a todas as nossas mortes transformadoras ao longo da vida, pois quanto mais morremos melhor vivemos.

Na alquimia é ela que preside ao primeiro estado da transmutação, a putrefacção ou fase ao negro, e que é presidida por Saturno:

“Se tu não vires em primeiro lugar esta escuridão, antes de qualquer outra cor determinada, sabe que falhaste na Obra e que é preciso recomeçares”

Nocalas Flamel

Na parte inferior da carta encontramos sobre a terra apenas cabeças, mãos e pés, eles são o símbolo daquilo que permanece, que não é dissolvido. A cabeça representa os ideais, a realeza da inteligência e o querer. As mãos associam-se à obra que não pode ser interrompida. Os pés são o avançar das ideias em marcha. A desaparição não traz prejuízo à sua realização interior, nada cessa e tudo prossegue. A morte é a dissolvente do continente para libertar o conteúdo.

O arco-íris no fundo da carta é o caminho entre o céu e a terra, por onde “o que permanece” sobe, despindo-se das formas usadas, e desce, revestindo-se de novas formas.

Ideias chave:

Renovação; Evolução; Libertação; Espiritualização; Iniciação; Poder transmutador.



14 – As Duas Urnas (A Temperança)

Os dois recipientes, um de ouro e outro de prata fazem alusão à dupla natureza psíquica. O ouro associado ao princípio solar, activo, à inteligência e a prata associada ao principio lunar, passivo, sensitivo. Tal como os gregos representavam as duas forças da alma: Vénus Urânia, o impulso da alma pela união ao mundo dos arquétipos e Vénus Pandemos, ou a atracção da alma para as projecções ou imagens sensíveis dessas essências arquetipais. A alma é o Mercúrio dos alquimistas, esse fluido (como o que aparece na carta) que permite ligar o Enxofre (espírito) ao Sal (matéria, corpo).

A alma capta a experiência do mundo sensível (prata) e a verte em consciência (ouro) e no sentido inverso em que a consciência se verte no acto justo.

“Os homens pensam que tudo flui constantemente numa direcção. Não vêem que tudo se encontra perpetuamente e que o tempo é uma multiplicidade de círculos girando”D. Ouspensky, “El Simbolismo del Tarot”

O génio da temperança é alado como Mercúrio ligando o Mundo dos Deus ao dos Homens e na sua cabeça eleva-se a chama do discernimento.

A presença do Sol e Escorpião dá a inteligência que permite captar a alma profunda das coisas.

Ideias chave:

Alquimia Psíquica; Fonte da Juventude; Visão profunda; Serenidade; Prodígios.



15 – Tiphon (O Diabo)

É o diferenciador, inimigo da unidade, é aquele que leva a matéria a constituir-se e por isso à diferenciação. É ele que preside a todo o poder de criar na matéria.

“Se o desejo de ser e o instinto de conservação que provém dele não nos houvesse dominado desde que nascemos, nós não teríamos podido nos agarrar à vida…”

Oswald Wirth in “O Tarot Medieval Interpretado à Luz do Simbolismo”

Quando vimos à vida estamos amarrados a ela, como os corpos em baixo da carta do tarot que se encontram acorrentados, no entanto a sua cabeça em forma de carneiro, símbolo da força que desperta o Homem e a chama viva da espiritualidade mostram como não são afectados pela destruição das formas. As forças instintivas devem submeter-se à direcção daquilo que é superior.

Tifon com asas de morcego é o devorador da luz, é o ser preso no estado intermédio, meio rato meio pássaro, macho e fêmea em que do seu umbigo sai a serpente inferior tentadora, por isso ele representa também o ser imobilizado numa fase da sua evolução ascendente, mostrando os perigos da estagnação que podem fazer a luz da tocha de fogo obscurecer-se pelo fumo. O seu lado divino é confirmado pela presença da chama sobre a sua cabeça, assim como a vara que transporta, semelhante ao símbolo da pata de ganso ou tridente que mostra o caminho até à tríade, expressão da unidade do círculo divino.

A presença de Saturno e Sagitário nesta carta dão a necessidade de esforço para vencer espiritualmente, adquirir um conhecimento profundo e filosófico que lhe outorgão a força interior.

Ideias chave:

Mundo criado; Encantamento; Perigo da estagnação; Força libertadora.



16 – A Pirâmide Atingida (A Torre)

É a visão do resultado da presunção de nos identificarmos com a obra transitória, no mundo não somos senhores de nada e quando nos identificamos com o que surge no mundo caímos junto com a sua impermanência. Revela o resultado da materialização.

Também podemos encontrar aqui uma alusão aos dogmas e despotismos, ambição do poder externo, que um dia cai e com ele todos os que dele se alimentam, os que dirigem e os que os constroem.

A carta adverte para a inversão da conquista do poder interior pelo poder exterior.

A presença de Júpiter e Capricórnio refere-se às ambições sociais e à paixão pelo poder.

Ideias chave:

Aprisionamento na matéria; Orgulho; Materialismo; Despotismo; Avidez; Ambições e apetites insaciáveis; Dogmatismo.



17 – A Estrela do Mago

As 7 estrelas coloridas que surgem do Sol referem-se aos 7 raios da criação que tudo impulsionam. As luzes do alto encorajam-nos e fazem-nos sentir que não estamos sós, pois os deuses, chamados de “Os Brilhantes” zelam por nós. Todos temos uma missão ou destino ao nascer, todos temos uma estrada luminosa iluminada por uma das 7 estrelas ou raios da existência. No centro deste círculo de sete estrela encontra-se uma estrela ou Sol de 8 raios, o equilíbrio cósmico, mediação entre o círculo do céu e o quadrado da terra, é o totalizador e no seu centro os dois triângulos, um virado para cima, branco, e outro para baixo, negro, reflectem essa mesma união mercurial, como sintetiza a máxima do Kibalion “Assim como é em cima é em baixo e assim como é em baixo é em cima”.

“Onde… todas as coisas são diáfanas, e nada é obscuro ou opõe resistência, mas sim que tudo, internamente e através de cada um, é evidente. Porque a luz encontra-se por todas as partes com a luz, pois tudo contém todas as coisas em si mesmo, e por sua vez vemos todas as coisas nas outras. De modo que todas as coisas estão em todas as partes, e tudo é tudo. Cada coisa é como um todo. E o esplendor ali é infinito. Porque tudo ali é grande, porque mesmo sendo pequeno é grande.

O sol, que está ali, é todas as estrelas; e cada estrela é por sua vez o sol e todas as estrelas. Em cada uma, no entanto, predomina uma propriedade diferente, mas ao mesmo tempo todas as coisas são visíveis em cada uma.” Plotino

O personagem que aparece na carta é um ser andrógino, o Homem Cósmico ou Adão Kadmon e que é regido pelo número 8, é a alma sem sexo que verte as duas polaridades unindo-as, a água quente, de Fogo, que sai do cálice de ouro (direita) e a água fria que sai do cálice de prata (esquerda). Desta unidade emergem os 3 lótus da Sabedoria Divina, cujo perfume essencial alimenta a alma borboleta.

A presença do símbolo de Mercúrio marca precisamente esta união alquímica.

Ideias chave:

Homem Cósmico; Natureza interior; Entusiasmo; Juventude interior; Missão de vida. Intuição.



18 – O Crepúsculo (A Lua)

“Para manifestar os esplendores do céu, a noite mergulha a Terra nas trevas, porque as coisas do alto não se revelam à nossa vista senão quando em detrimento daquelas de baixo”

Oswald Wirth in “O Tarot Medieval Interpretado à Luz do Simbolismo”

A Lua projecta uma suave luz que não ofuscando totalmente as estrelas também não elimina as sombras da terra e não permite distinguir as cores, banhando tudo num cinza prateado. É como se geram os falsos conceitos no Homem, através da pálida luz manchada pela fantasia do seu psiquismo perde discernimento, podendo tornar-se temerário caindo em abismos ou desenvolvendo medos que o impedem de avançar.

Do reflexo da Lua surge um escorpião que destrói a corrupção, é o agente purificador daquilo que se decompõe (ideias, atitudes, etc.). Ele é símbolo da regeneração moral e psíquica.

Dois cães aparecem frente às pirâmides, como símbolos dos guardiões e condutores dos caminhos. O cão branco, símbolo da luz visível, do deslumbre do mundo manifestado guarda a pirâmide negra sem porta, sem possibilidade de entrada, sem se poder penetrar o interior do conhecimento, que por um lado pode representar o conhecimento exotérico ou também a magia negra. Do outro lado o cão negro, Anubis, símbolo da luz oculta, interna e mistérica que conduz à pirâmide branca com porta e que leva ao conhecimento interno, ao esoterismo ou noutra chave à magia branca.

Esta carta fala-nos pois da necessidade de discernir o falso do verdadeiro, o profundo do superficial.

A presença de Vénus e Aquário fala-nos do desenvolvimento do caminho da individualidade, da alma em busca duma profundidade e serenidade distante do terrestre.

Ideias chave:

O deslumbre das aparências, erros e preconceitos; Lucidez; Discernimento



19 – A Luz Radiante (O Sol)

O Sol revela a realidade das coisas, mostrando-as tal como elas são, despojando-as dos véus das fantasias e ilusões. Com ele os fantasmas desaparecem e permite à alma redimir-se. Este Sol tem representado no seu centro a unidade criadora, a fusão entre o ligam (masculino) e o Yoni (feminino) essa unidade do Sol enriquece os seus filhos espiritualmente, reflectindo-se na união do casal, a união entre a alma (feminino) e o espírito (masculino). Este é o reencontro da unidade do ser humano (a reunião de Adão e Eva) no centro de um círculo de lótus, a pureza e a unidade divina, toda a natureza nascendo da unidade dos princípios.

A presença de Júpiter e Peixes significa a fecundidade espiritual, a abundância e generosidade.

Ideias chave:

Fraternidade, Harmonia; Aliança, Felicidade duradoura; Glória.



20 – O Julgamento

Esta carta é um apelo ao acordar do adormecimento na matéria, onde a morte se dá, é o acordar da “Branca de Neve”, a alma que adormeceu por ceder à paixão do egoísmo. O passado só pode reviver na espiritualidade, nada se perde, nada morre no domínio do espírito.

A presença de Saturno indica a libertação da prisão das nossas paixões, das amarras dos nossos instintos, é a grande alavanca da vida espiritual.

Ideias chave:

Renascimento; Iniciação; Despertar para a vida espiritual. Eternidade.



21 – A Coroa do Mago (O Mundo)

É a roda solar em movimento, onde tudo gira sem descontinuidade, animada pela alma do mundo, o pássaro no centro. Os 12 pés de 3 flores embelezam e espiritualizam a vida, elas são o florescer das virtudes dos 12 raios ou provas da vida, são a exaltação do perfume de cada ciclo, a essência espiritual. Nesta roda encontram-se os 4 animais simbólicos associados aos 4 cantos do espaço e aos 4 elementos, os constituintes da natureza (Terra, Água, Ar e Fogo).

O símbolo desta imagem é o Sol, pois é ele que rege os ciclos e a vida que gira ao som dos acordes das 3 cordas solares da tocadora, o Triplo Logos Divino.

Ideias chave:

Cosmos; Síntese, Universo (Universus)



22 – O Crocodilo (O Louco)

A Lua ofusca o Sol, eclipsa-o, tal como a ignorância faz à luz do mundo. O personagem com a sua cegueira arrasta-se através da vida como um ser passivo que não sabe para onde vai e nem tem consciência de onde vem, deixando-se assim arrastar pelos impulsos irracionais. É inconsciente e irresponsável, segura o bastão do conhecimento que lhe permitiria abrir caminho mas não tem qualquer ideia que o possui, despreza-o. A multiplicidade de cores que veste reflecte as múltiplas influências a que está sujeito, sem que as consiga coordenar ou sintetizar. Ele carrega duas bolsas, é a sua carga karmica positiva e negativa e muitas coisas inúteis (memórias, preconceitos, temores, etc.) que tornam os seus passos pesados e difíceis.

Como não vê por onde caminha não tem consciência que os templos e o sagrado se desmoronam à sua volta e que vai direito à boca do crocodilo destruidor.

Ideias chave:

Cegueira interior (ignorância ou orgulho. Passividade; Abandono à cegueira dos instintos. Irresponsabilidade.





José Ramos

Investigador e Director da Nova Acrópole Coimbra

(1) “(…) o olho do homem (é) uma imagem do Universo e todas as cores estão ordenadas em círculos. O branco do olho corresponde ao oceano, que rodeia o Universo por todos os lados; a segunda cor à terra firma cercada pelo oceano ou que fica no meio das águas; a terceira cor na região intermédia: é Jerusalém, o centro do mundo. Uma quarta cor, porém, a visão do olho na sua totalidade (…) é Zion, o ponto central de tudo, a partir do qual se torna visível o aspecto do universo inteiro.” Zohar

(2) Dicionário dos Símbolos de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant.

(3) Citado por Oswald Wirth in “Essay upon the Astronomical Tarot”

https://www.nova-acropole.pt/o-simbolismo-filosofico-do-tarot-egipcio/#:~:text=A%20pr%C3%B3pria%20origem%20da%20palavra,que%20significa%20%E2%80%9CQuatro%20Caminhos%E2%80%9D.

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