domingo, 17 de dezembro de 2023

Eliphas Levi e o Cristianismo

 


Levi tentou preservar a roupagem cristã enquanto ensinava, em grande parte, filosofia esotérica. Ao examinar com atenção suas obras, o leitor percebe que sua definição de “Deus” nega a ideia que o cristianismo e o judaísmo organizados têm a respeito. Levi define “Deus” como a Razão, o Logos, isto é, a Verdade, pura e simplesmente. Nisso, também, ele coincide com o movimento teosófico moderno, cujo lema é “Não há religião mais elevada que a Verdade”. O Deus monoteísta é, pois, uma quimera. A verdade suprema não pode ser delimitada em palavras, e, na Introdução de seu livro “A Ciência dos Espíritos” [1] , Levi coincide com a filosofia esotérica ao afirmar que não é possível definir a realidade divina. Ele acrescenta:

“… Um deus definido é necessariamente um Deus finito, e todas as religiões pretensamente reveladas de uma maneira positiva e particular desabam logo que a razão as toca. Não há senão uma religião, e Vitor Hugo disse bem quando bradou: ‘Protesto, em nome da religião, contra todas as religiões’.” [2]

Eliphas Levi morreu em 1875, o ano da fundação do movimento teosófico. Alguns anos depois, seus manuscritos inéditos chegavam às mãos de Helena Blavatsky. O conteúdo dos seus escritos é, em boa parte, influenciado pela filosofia oriental. Há uma evidente afinidade interior. No entanto, ele quase força as palavras, usando-as de uma maneira muito particular, com o objetivo de manter a roupagem externa cristã em suas obras e, assim, evitar a incompreensão e a intolerância dogmáticas do seu tempo. Deste modo, ele escreve:

“A guerra da filosofia contra a Igreja não a destruirá, mas a libertará; porque a Igreja é a sociedade dos homens, animada pelo espírito de Jesus Cristo. À medida que as superstições religiosas, ou antes, irreligiosas descem, o Evangelho sobe; ele é estável, eterno e inabalável, quadrado na base e simples como as pirâmides. Há sempre uma lógica no poder; forças sem razão seriam forças sem alcance e, por conseguinte, sem efeito. Se o Evangelho é um poder, existe uma lógica no Evangelho. A lógica ou a razão, o logos do poder supremo, é Deus. Essa razão, essa lógica universal, ilumina todas as almas razoáveis. Ela resplandece nas obscuridades da dúvida; atravessa, penetra, dilacera as trevas da ignorância, e as trevas não podem compreendê-la, pegá-la, encerrá-la e aprisioná-la. Essa razão fala pela boca dos sábios; resumiu-se em um homem que, por isso, foi chamado de logos feito carne, ou grande razão encarnada. Os milagres desse homem foram milagres de luz, isto é, de inteligência e de razão. Ele fez os homens compreenderem que a verdadeira religião é a filantropia. (….) Ele os fez ver que não é nem em tal cidade, nem sobre tal montanha, nem no templo que se deve procurar Deus, mas no espírito e na verdade. Seu ensinamento foi simples como sua vida. Amar a Deus, isto é, ao espírito e à verdade, mais do que a todas as coisas, e ao próximo como a vós mesmos, eis, dizia ele, toda a lei.”[3]

E Eliphas Levi acrescenta:

“É dessa forma que ele abria os olhos dos cegos, que forçava os surdos a ouvirem e os coxos a caminharem direito. As maravilhas que operava nos espíritos foram contadas sob essa forma alegórica, tão familiar aos orientais. Sua palavra tornou-se um pão que se multiplica; seu poder moral, um pé que caminha sobre as ondas, uma mão que apazigua as tempestades. As lendas se multiplicaram com a admiração cada vez maior de seus discípulos. São contos encantadores, semelhantes aos das Mil e Uma Noites, e era digno dos séculos bárbaros, que acreditamos ter ultrapassado e que ainda não terminaram, tomar essas ficções graciosas por realidades materiais e grosseiras, discutir anatomicamente a virgindade maternal de Maria, estabelecer entre as mãos de Jesus uma padaria invisível e milagrosa para multiplicar os pães nos deserto, e ver correr um sangue globular e seroso, um sangue antropofágico e revoltante, sobre as brancas e puras hóstias que protestam contra o sangue e que anunciam para sempre a consumação do sacrifício.”

Na continuação, Levi diz, claramente, que nos Evangelhos nada pode ser entendido como literalmente verdadeiro. Tudo neles é lendário e simbólico. Ele diz isso sem meias palavras:

“O Evangelho pertence à ciência apenas como monumento da fé, e não como documento da história. É o símbolo das grandes aspirações da humanidade. É a lenda ideal do homem perfeito. Essa lenda, a Índia já havia esboçado ao contar a maravilhosa encarnação de Vishnu na pessoa de Krishna. Krishna é também filho de uma virgem. A casta Devaki amamentando seu divino filho encontra-se no Panteão indiano e parece uma imagem de Maria. Perto do berço de Krishna encontra-se a figura simbólica do asno; a mãe leva a criança para livrá-la de um rei ciumento que queria matá-lo. Se os Vedas não fossem anteriores ao Evangelho, acreditar-se-ia que tudo isso é cópia de nosso Novo Testamento. Quer dizer que tudo isso é desprezível e nada contém de divino? Acreditamos que é necessário chegar a uma conclusão diametralmente oposta.” [4]

De fato, a lenda dos Evangelhos é uma adaptação de tradições anteriores, do Egito e dos povos orientais.

A seguir, veremos a história humana e real de Jehoshua ou Jehosuah, o judeu Jesus, tal como registrada no Talmude, o antigo livro do seu povo, e conforme a tradução e a narrativa de Eliphas Levi. [5]

O texto é de um valor extraordinário, e defende a tese de que as Igrejas dogmáticas promovem o Anticristianismo.

(Carlos Cardoso Aveline)

NOTAS:

[1] “A Ciência dos Espíritos”, Eliphas Levi, Martins Fontes / Sociedade das Ciências Antigas, SP, 1985, 284 pp.
[2] “A Ciência dos Espíritos”, obra citada, p. 18.
[3] “A Ciência dos Espíritos”, obra citada, pp. 20-21.
[4] “A Ciência dos Espíritos”, obra citada, p. 21.
[5] A narrativa a seguir é reproduzido das pp. 27 a 40 de “A Ciência dos Espíritos”.

Continua no link:
https://www.filosofiaesoterica.com/jesus-segundo-talmude/

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